Terremoto em Lisboa
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Terremoto em Lisboa


Rodrigo Constantino, O GLOBO

“Ninguém – e sobretudo o Estado, entidade anônima e dispersa – é bom fiscal de si mesmo.” (Fernando Pessoa)

Primeiro dia de novembro em 1755, Dia de Todos os Santos, Lisboa iria sucumbir diante da “ira divina”, como os lisboetas chamaram o terrível terremoto seguido de uma arrasadora tsunami. Milhares de mortos, destruição quase total, cenas de desespero para todo lado: assim ficou Lisboa quando o chão se abriu e o Tejo engoliu a cidade em chamas.
Quase todos atribuíram a desgraça ao castigo de Deus. Alguns pensavam que era punição pelas atrocidades da Inquisição, outros achavam que era castigo porque a Igreja não fora dura o suficiente com os pecadores. Portugal vivia a cobiça e o esbanjamento possíveis com a descoberta do ouro brasileiro. Independentemente do ângulo observado, todos levavam à mesma causa: a fúria de Deus.
Poucos pareciam dispostos a analisar o ocorrido pela ótica da razão. Nicholas Shrady, em “O último dia do mundo”, diz que a lição que este terrível acontecimento pode oferecer para os desastres de hoje é a de que “o homem está no centro de nossa resposta ao desastre natural, e não a providência, a metafísica ou a ira de um Deus vivo”.
Se alguém chegou mais perto desta visão na época, foi Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal. Ele viu na desgraça uma oportunidade para a reconstrução de uma Lisboa mais moderna. Infelizmente, trocou-se um fanatismo por outro, colocando o Estado no lugar que antes pertencera a Deus. Pombal incorporou a imagem do “déspota esclarecido”. Seu mercantilismo assumia que cabia ao governo servir de locomotiva ao progresso.
Esta crença nunca esteve tão forte na terra de Cabral como nas últimas décadas, com graves sequelas. Semana passada, quando eu visitava Lisboa, a agência de risco Moody’s rebaixou os títulos da dívida soberana portuguesa para “lixo” especulativo. O país quebrou. O terremoto que se abate sobre Portugal desta vez não é fruto do acaso, mas sim uma construção deliberada dos homens. Sua principal causa chama-se irresponsabilidade fiscal; seu maior culpado: o governo.
Conforme o ex-ministro das Finanças Medina Carreira resumiu em “O fim da ilusão”, o problema básico de Portugal é que há economia de menos e despesas públicas demais. O bom-senso de uma dona de casa seria suficiente para evitar tal destino, mas governo atrás de governo escolheu ignorar a realidade. Carreira chama de “Partido do Estado” o grupo de pessoas que depende dos gastos públicos, e lamenta que este só fez crescer nas últimas décadas.
O parasitismo do Estado social arruinou o país. Há estagnação econômica e elevado desemprego. A dívida pública explodiu. A principal doença que mina o sistema político português, segundo Carreira, está no fato de os partidos servirem “como agências de empregos e de negócios das suas ávidas clientelas, integradas por muitos dos seus filiados e pelos ‘amigos’ de sempre, que gravitam à sua volta”.
Como agravante, falta uma oposição mais firme com propostas alternativas. Carreira explica que o Estado social é muito popular, e mesmo os partidos que não apoiam os governos permanecem silenciosos, “para não serem acusados de neoliberais”. Pobre do país onde “liberal” virou xingamento e “socialista” é elogio!
Se o sonho do Eldorado no século XVIII era resultado da abundância do ouro brasileiro, desta vez a fantasia se deu por meio de um Estado clarividente e provedor, e o terremoto financeiro que se avizinha marca um encontro forçado dos portugueses com a dura realidade. Lisboa vai tremer, mas não por razões sísmicas. Foram os próprios portugueses quem plantaram as sementes desta crise.
O terremoto de 1755 serviu para despertar alguns do sonambulismo. Voltaire, com sua obra-prima “Cândido”, deu uma resposta satírica ao otimismo ingênuo de muitos pensadores da época. O Iluminismo, que trouxe filósofos como Kant, deveu muito a esta catástrofe natural.
Espera-se ao menos que este terremoto, agora financeiro, possa estimular um novo Iluminismo. Desta vez, uma mudança de mentalidade que enterre a ingênua crença de que o Estado pode criar prosperidade taxando o povo e gastando de forma desenfreada. Caso contrário, os lusitanos vão enfrentar não a fúria divina, mas sim as terríveis consequências das inexoráveis leis econômicas.
Seria muito bom que nós brasileiros também pudéssemos tirar boas lições da desgraça de nossos patrícios. Afinal, não vamos em caminho muito diferente, com uma dívida pública já perto de R$ 2 trilhões e crescente, sem falar do resto. Alguém já sentiu um primeiro abalo?




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