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Tesoura afiada - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 28/02
De todas as medidas de redução de imposto, a que era menos "brincadeira" era a desoneração sobre a folha, porque enfrentava um problema realmente existente. Mas as isenções ou reduções de IPI para carros merecem a definição do ministro Joaquim Levy. A tesoura afiada da dupla Levy-Barbosa é a única forma de o país sair do atoleiro em que foi jogado por erro, displicência e esperteza.
Há um longo caminho para se sair do buraco de um déficit nominal de 6,7% do PIB. Não é brincadeira não. Será preciso tomar medidas seriais, como os ministros da área econômica fizeram esta semana, e enfrentar o conjunto equivocado de crenças do partido do governo. Sozinha, a equipe nada fará. Se o governo como um todo não entender o tamanho do buraco, no primeiro número ruim o PT vai querer acabar com a brincadeira da equipe. E aí a crise que se seguirá não será nada engraçada.
Se o país escapar de um rebaixamento da dívida será em função da persistência com que os ministros estão tentando pôr ordem na casa, que foi deixada em grande desordem pela dupla anterior, Mantega-Belchior. Aliás, trio, porque o impagável Arno Augustin era o maior inventor dos brinquedos contábeis que ainda estão sendo pagos.
O forte superávit primário de janeiro teve grande participação de governos estaduais, municípios e empresas estatais. Eles economizaram R$ 11 bilhões, pouco mais da metade do primário de R$ 21,1 bi do mês. Ao Tesouro, coube a economia da outra parte, que veio abaixo da média para meses de janeiro dos últimos quatro anos.
"Levando em conta a sazonalidade favorável para meses de janeiro, o número não foi tão positivo. Nos últimos quatro anos, o superávit primário do Tesouro Nacional teve média de R$ 18 bilhões em janeiro", escreveu o Itaú Unibanco em relatório.
Parte do problema está no fato de a nova equipe econômica ainda ter que lidar com as alquimias e pedaladas fiscais da equipe anterior. Para evitar um déficit primário ainda maior em 2014, Augustin só autorizou o gasto de R$ 1,25 bilhão com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) no último dia do mês de dezembro. Dessa forma, o desembolso aconteceu em janeiro, contaminando as estatísticas deste ano. Brincadeira! O tamanho da dificuldade de ajustar as contas públicas pode ser visto no superávit primário acumulado em 12 meses. Mesmo com esse número forte de janeiro, a estatística pouco mudou. Ao sair o dado de janeiro de 2014 e entrar o de janeiro de 2015, o déficit caiu de R$ 32,5 bilhões para R$ 31,4 bi, ou de 0,64%para 0,61% do PIB. Há um longo caminho até se chegar à meta positiva de R$ 66 bilhões ou 1,2% do PIB em dezembro deste ano.
O raciocínio é o mesmo para o resultado nominal. Apesar do superávit de R$ 3 bilhões em janeiro, o déficit em 12 meses caiu apenas de 6,71% do PIB para 6,42%. A dívida bruta continuou subindo e chegou a 64,4% do PIB, alta de 0,9 ponto sobre dezembro.
Há duas dificuldades para o ajuste fiscal. Primeiro, o aumento de impostos e o corte de gastos são medidas recessivas e vão agravar a situação de uma economia que está estagnada. A segunda é política. Parte do ajuste precisa ser aprovada pelo Congresso, e o governo tem tido enorme dificuldade para conseguir o apoio de sua própria base, principalmente o PT.
O que torna mais difícil convencer a base é exatamente a incoerência entre o discurso da candidata e as ações da presidente. Mas, se alguém não tinha entendido isso no partido da presidente, fica agora explicado pelos fatos que, durante a campanha, o governo mentiu para ter mais um mandato.
Nos últimos dois dias, o governo cortou despesas e agora suspendeu parte dos benefícios fiscais que havia concedido aos empresários. De todos os da lista de bondades com os cofres públicos, a desoneração da folha era o único defensável, porque o sistema de recolhimento patronal à Previdência sempre puniu quem emprega muito. Os setores intensivos em mão de obra sempre pagaram proporcionalmente mais do que as outras empresas. A medida foi parcialmente suspensa exatamente quando o aumento do desemprego já começou a acontecer. De novo, é culpa do passado, mas o partido do governo culpará a nova política econômica.
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