Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:Será a primeira vez na história recente da televisão brasileira em que conquistas esportivas internacionais não serão transmitidas pela Globo. Os Jogos Olímpicos de Londres terão cobertura exclusiva da Record na TV aberta, a um custo aproximado de US$ 60 milhões – dos quais US$ 22 milhões já foram recuperados com a venda para a Globosat dos direitos de transmissão para a TV paga.
Neste ano a euforia com que a Globo cerca eventos desse tipo desapareceu. Em cada Olimpíada (ou Copa do Mundo) éramos bombardeados por informações quase sempre sem nenhuma importância transmitidas em qualquer programa da emissora. Nos telejornais e nos auditórios era um desfilar permanente de atletas, dirigentes, torcedores, sem faltar familiares de esportistas comemorando vitórias ou chorando derrotas.Às vésperas da abertura dos jogos britânicos parece que eles nem existem para a emissora. Nos jogos da seleção brasileira de futebol, preparatórios para a Olimpíada, esse fato não era mencionado. Ficava sendo apenas uma seleção de jovens treinando para um futuro remoto.
Dos títulos importantes conquistados pelo futebol brasileiro no mundo só o de campeões olímpicos ainda não foi alcançado. A seleção de Mano Menezes pode quebrar esse tabu, que, se acontecer, não terá a narrá-lo o locutor oficial da Globo. Outro fato inédito.
A exclusividade da Record torna os Jogos Olímpicos deste ano mais discretos no Brasil, o que não é de todo ruim. O idealismo do barão Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos da era moderna, para quem o importante era competir, desapareceu há muito tempo. Hoje o importante é faturar.
Falando em 1992 numa conferência em Berlim, pouco depois dos Jogos Olímpicos de Barcelona, o sociólogo francês Pierre Bourdieu acusava o Comitê Olímpico Internacional (COI) de ter se transformado “numa grande empresa comercial, dominado por uma pequena camarilha de dirigentes esportivos e de representantes das grandes marcas comerciais que controlam a venda dos direitos de transmissão e dos direitos de patrocínio, assim como a escolha das cidades olímpicas”.
Muito antes disso, ainda nos anos 1970, ocorreu a virada mercantil dos jogos. A começar pelo fim da regra que impedia a participação de atletas profissionais. Completada com a dependência cada vez maior da TV. O espanhol Juan Antonio Samaranch, então presidente do COI, deixou isso claro ao dizer que “os esportes que não se adaptarem à televisão estarão fadados ao desaparecimento; da mesma forma, as televisões que não souberem buscar o acesso aos programas esportivos jamais conseguirão sucesso financeiro e de público”.
Globo, Record e dezenas de outras emissoras em todo o mundo entenderam o recado. Assim como alguns esportes adaptaram suas regras para atender às exigências da TV. Tudo para facilitar o acesso das mensagens publicitárias às telas e às praças esportivas, memo que os produtos anunciados contrariem as boas práticas de uma alimentação saudável, sempre associada à vida dos esportistas.
Para a Olimpíada de Londres, 42 empresas farão algum tipo de patrocínio relacionado aos Jogos. Entre as principais estão McDonald’s e Coca-Cola, criticadas por médicos e ativistas sociais como responsáveis pelo aumento das taxas de obesidade nos Estados Unidos e na própria Inglaterra.
Claro que os campeões olímpicos devem passar longe desse tipo de alimentação, embora sirvam de garotos e garotas-propaganda para aqueles produtos. O resultado são milhões de jovens estabelecendo a falsa relação entre as marcas anunciadas e o sucesso esportivo.
Os desdobramentos danosos das Olimpíadas não ficam por aí. As conquistas obtidas por atletas de ponta, exaltadas pela mídia, acabam por desqualificar a importância da prática esportiva moderada, sem exageros físicos, como fator de proteção à saúde.
Eventos esportivos não deixam de ser importantes para a divulgação de diferentes modalidades, desde que livres de imposições comerciais e patriotadas inconsequentes. Devem ser tratados como momentos eventuais de processos contínuos, onde a prática esportiva é vista como lazer, e não como uma disputa de vida ou morte.
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