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Um ano sem Chávez - RODRIGO CRAVEIRO
CORREIO BRAZILIENSE - 05/03
Há exatamente um ano, a Venezuela perdia um líder transformado quase que em símbolo religioso pelos seguidores. A cobertura dos funerais de Hugo Chávez, em Caracas, foi uma das experiências mais impressionantes e estranhas por que passei. No Paseo de Los Próceres, dia, noite ou madrugada adentro, uma multidão enfrentava fila quilométrica para se despedir do presidente, artífice de revolução socialista moldada no populismo e na adoração a Simón Bolívar. O político capaz de sacadas de humor repentinas e de discursos virulentos contra o imperialismo era amado como pai pela população carente, adotada pelas famosas missões bolivarianas, e fustigado como ditador pela oposição.
"Perdi meu papai." A frase foi dita a mim, em meio a lágrimas, por uma senhora sobre a cadeira de rodas. Trazia um cartaz com a foto do comandante ao colo, uma sombrinha com as cores da bandeira da Venezuela presa à cabeça e feridas em carne viva nas pernas. "Ele nos deu tudo e, agora, vive. Chávez somos todos nós", declarou Humberto Chacón, venezuelano que passou 27 horas na fila para ter a oportunidade de ficar menos de 30 segundos diante do corpo do presidente. Ainda que a vida continuasse, Caracas parecia imersa na dor por perda que era impossível de mensurar. Choro, palavras de ordem, pandemônio que parecia envolver o inconsciente coletivo dos venezuelanos.
Um ano se passou e o legado de Chávez parece ter sido um sistema socioeconômico falido, uma Venezuela dividida pelo ódio, um governo apegado à força bruta para salvar sua revolução e uma sociedade refém da insegurança e vítima da intolerância do Estado. O absurdo número de homicídios - 24.700 pessoas assassinadas em 2013 -, a inflação de 54% e a aguda crise de desabastecimento nos supermercados potencializam a insatisfação popular e alimentam a repressão policial, num perigoso e vicioso ciclo de violência.
Se, sob o domínio de Chávez a população não usufruía da democracia na acepção mais pura, o presidente Maduro a vilipendiou quase que por completo. Apesar de ter devorado a cartilha do chavismo, o chefe de Estado jamais exibiu o carisma do antecessor e parece disposto a impor uma ditadura disfarçada para salvar o próprio trono no Palácio de Miraflores. Não fosse a oposição fragmentada, o socialismo da século 21 e o governo de Nicolás Maduro estariam sob grave ameaça. Que Deus e o bom senso protejam os venezuelanos.
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