Por Elena Llorente, no site Outras Palavras:
O relatório da organização internacional Oxfam sobre a desigualdade no mundo, An economy for the 1% (“Uma economia para o 1%”), divulgado nesta semana, mostra que as 62 pessoas mais ricas do mundo – 53 delas homens, com os estadunidenses Bill Gates e Warren Buffet e o mexicano Carlos Slim na liderança – detêm em conjunto a mesma riqueza de 3,6 bilhões de pobres do mundo. Isto equivale dizer que possuem a riqueza de quase a metade da população mundial, que hoje soma pouco mais de 7,3 bilhões.
Os números são apavorantes, caso se acrescente, além disso, que o abismo está crescendo mais rápido do que a própria Oxfam havia predito, há um ano, e que as mulheres são desproporcionalmente atingidas por esta desigualdade. A Oxfam – cujo nome deriva de Oxford, Inglaterra, onde foi fundada em 1942, e de ‘famine’ que em inglês significa fome – é uma confederação de 17 organizações não governamentais que trabalha em 94 países para encontrar soluções à pobreza.
Mikhail Maslennikov é um matemático e econometrista que trabalha na Oxfam Itália como conselheiro político sobre temas de desigualdade econômica e justiça fiscal. Eis sua entrevista.
Segundo o relatório da Oxfam, 62 multimilionários tem a mesma riqueza que quase a metade do mundo. Como se chegou a esta conclusão?
Analisamos a distribuição da receita em escala global. A desigualdade é um sintoma de grande mal-estar social tão forte que até mesmo organizações econômicas internacionais como FMI, OCDE(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e Banco Mundial estão sendo obrigadas a levá-la em conta. Porque se as desigualdades econômicas não fossem tão extremas como agora, o crescimento econômico interno em diferentes regiões do mundo haveria sido favorecido. Na Itália, por exemplo, estima-se que a queda do PIB (Produto Interno Bruto) de 8%, nos úlitmos anos, deu-se também em razão das desigualdades econômicas.
E os governos, que papel têm cumprido em tudo isto?
Em geral, os governos subestimaram o fenômeno e o favoreceram, em certo sentido, com certas decisões em nível de política pública. A Oxfam concentrou-se nos efeitos produzidos pelas políticas fiscais, especialmente nos sistemas fiscais nacionais que não são suficientemente progressivos (quanto mais se ganha, mais se paga). Em muitos países – um caso eloquente são os Estados Unidos – as alíquotas fiscais para as receitas mais altas foram reduzidas ao mínimo, nos últimos trinta anos. Isto permitiu a concentração da receita nos setores mais favorecidos da população, que pagaram menos tributos para o Estado. Um exemplo de pouca progressividade em matéria fiscal é a Itália, onde a alíquota paga por uma pessoa que ganha 80.000 e por outra que ganha 8 milhões, ao ano, é a mesma.
Você também mencionou os salários…
Para analisar a desigualdade também observamos a receita do trabalho nos últimos 25 e 30 anos, analisamos a receita global em razão da receita do trabalho. E concluímos que sobre a ampla desigualdade econômica também incidem as variações remunerativas.
O abismo entre os que ocupam cargos de direção e os empregados médios foi ampliada, com o passar dos anos. No relatório, analisamos casos significativos de grandes companhias estadunidenses. Há dados de vários países, como Estados Unidos, Índia e Reino Unido, mas nem todas as companhias têm a obrigação de publicar os salários dos grandes dirigentes. Em outros países, não há qualquer obrigação de torná-los públicos. Nos países em que foi possível analisar, a diferença está se acentuando.
Outros fatores que influíram para aumentar a distância entre ricos e pobres?
Também influíram as políticas econômicas dos últimos 30 anos. Houve uma redução dos investimentos nos serviços públicos essenciais, em geral. Para nós, a desigualdade econômica também é uma demonstração de que este modelo econômico fracassou.
Quanto mais poder econômico se tem, mais riqueza se possui e mais é possível condicionar as decisões em matéria de política econômica por parte dos governos.
Qual foi o papel do dinheiro enviado aos chamados paraísos fiscais?
Quando a concentração da riqueza chega ao pico da pirâmide, tenta-se conservá-la. Uma das formas para isso é defender os privilégios fiscais ou esconder essa riqueza em algum paraíso fiscal. Alguns economistas e a Oxfam têm estimado que cerca de 7,6 trilhões de dólares estão escondidos nos paraísos fiscais. Se fossem pagos os impostos sobre esta riqueza, as receitas fiscais para os governos seriam de 190 bilhões por ano. Além disso, os paraísos fiscais são o ponto de chegada dos lucros transferidos pelas grandes multinacionais, mas também pelos indivíduos, fora das jurisdições fiscais dos países onde realmente fazem sua atividade. O exemplo é o informe 2012 de grandes companhias estadunidenses que declararam receitas nas ilhas Bermudas – um paraíso fiscal – por 80 bilhões de euros. Significa 3,3% de todas as suas receitas globais. No entanto, esse número não reflete a real presença econômica dessas companhias nas Bermudas, onde possuem apenas 0,3% de suas vendas globais e 0,01% do custo trabalhista global.
Nesses dias, acontece o tradicional Foro de Davos, na Suíça, que reúne políticos, economistas e empresários de todo o mundo. O que a Oxfam apresentará lá?
Queremos fazer um chamado às elites e aos governos, lançando a reivindicação de maior justiça fiscal. Queremos também recordar às elites o nível de desigualdade em que vivemos e a responsabilidade que elas têm. Aoxfam demonstrou que das 200 companhias analisadas – entre as quais estão incluídas as 120 maiores do mundo e uns 100 sócios estratégicos do Fórum –, nove em cada dez estão presentes nos paraísos fiscais.
Queremos dizer que o dinheiro enviado para os paraísos fiscais acentua a desigualdade. Ou seja, chamaremos atenção sobre os níveis insustentáveis da desigualdade. Também alertaremos de forma provocadora contra a evasão fiscal das corporações que estejam presentes em Davos.
Em sua opinião, o que cada país deveria fazer para diminuir as diferenças entre ricos e pobres?
Como prioridade, acredito que seria preciso redefinir os sistemas fiscais para que sejam mais progressivos e analisar o impacto de novos sistemas sobre os níveis de desigualdade. Além disso, maiores investimentos em serviços públicos essenciais como Educação e Saúde, e políticas de apoio ao Trabalho. E, em plano internacional, os governos deveriam contribuir para uma reforma da fiscalidade internacional, acabando com os paraísos fiscais.
* Publicado originalmente no jornal argentino Página 12. Tradução: Cepat.
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