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Uma nova pátria de chuteiras - RONALDO HELAL
O GLOBO - 12/06
Já se foi o tempo em que a vitória ou derrota da seleção era vivenciada como derrota ou vitória de projetos de nação brasileira
Um espectro parece rondar o país: o silêncio em relação à Copa. Qual a razão deste silêncio? Por que os brasileiros não parecem motivados com o evento? Por que as ruas não estão enfeitadas como em outros Mundiais?
Primeiro, temos que entender que já se foi o tempo em que a vitória ou derrota da seleção em Copa era vivenciada como derrota ou vitória de projetos de nação brasileira, como ocorreu em 1950 e 1970, por exemplo. Isto é positivo e pode ser entendido como o resultado da consolidação da democracia e de uma maior organização da sociedade civil. Os resultados da seleção em Copas do Mundo não mais transcendem o universo esportivo. Hoje, ficamos tristes quando perdemos e celebramos quando vencemos, mas sabemos que o país não vai ficar pior, ou melhor, por conta disso.
Segundo, se refletirmos um pouco, observaremos que o interesse do brasileiro pela seleção vem declinando nas últimas décadas. Não é de agora. Por conta de uma série de fatores como a globalização, o declínio dos estados-nações no mundo, o êxodo dos nossos melhores jogadores para a Europa e, com isso, a desterritorialização do ídolo, a pátria de chuteiras já não contém mais o mesmo sentido que tinha na época em que o dramaturgo e cronista esportivo Nelson Rodrigues dessa forma alcunhou nossa seleção. O torcedor de hoje torce mais para seu time de coração do que para a seleção. A vitória do seu time no Brasileirão tende a ser mais importante e celebrada do que uma conquista de Copa pela seleção. Isto pode ser bom ou ruim, dependendo do ponto de vista e de onde se esteja analisando. Pode ser ruim para a Fifa, mas pode ser bom para os campeonatos locais.
Terceiro, algo ocorreu durante a Copa das Confederações que está afetando este momento. As diversas manifestações que tomaram as ruas do país demonstraram a insatisfação da população com a política do país e resultaram, de imediato, na prisão de um deputado, na transformação da corrupção em crime hediondo e na retirada de uma proposta de emenda constitucional ? a PEC 37 ?, que ficou conhecida, justa ou injustamente, como a PEC da impunidade. Além disso, elas geraram também alguns questionamentos sobre a relação do brasileiro com a seleção e a política. Um deles dava a entender que quem gosta de futebol e torce pela seleção seria um alienado político, um sujeito contra as manifestações. Ora, este é um raciocínio frágil, simplista e maniqueísta, que não se sustenta após uma análise mais criteriosa. Uma coisa não exclui a outra. Pode-se gostar de futebol e também da seleção e ainda assim protestar democraticamente contra a corrupção, o excesso de gastos públicos com a organização da Copa e coisas do gênero.
No entanto, este raciocínio parece ter inibido uma maioria que não se percebe como tal e, portanto, se sente envergonhada de externar seu interesse pela seleção e pela Copa no país. O sujeito quer dar um basta na corrupção, critica os excessos de gastos para a construção de estádios, reclama da situação da saúde e da educação pública no país, mas ao mesmo tempo quer torcer pela seleção e colocar a bandeira do Brasil na janela. Não o faz porque receia a crítica do vizinho.
No momento em que a maioria silenciosa se perceber como maioria, o entusiasmo deve voltar. Apesar de que não será mais com o ufanismo de antigamente. Neste sentido, o Brasil mudou, e para melhor. Os quase 30 anos de regime democrático proporcionaram certo amadurecimento político da população. A seleção ainda pode ser vista como a pátria de chuteiras em períodos de Copa do Mundo, mas o sentido simbólico deste epíteto não tem mais a força que tinha no passado.
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