Uma questão de planejamento - KÁTIA ABREU
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Uma questão de planejamento - KÁTIA ABREU


FOLHA DE SP - 23/11

O Brasil precisa se preparar para a revolução que será o aumento da demanda por alimentos na China


A China é, no presente, o maior parceiro comercial do Brasil e o principal destino de nossas exportações, quase todas provenientes do agronegócio.

O saldo de nosso intercâmbio comercial nos tem sido favorável desde 2009. Nosso superavit comercial acumulado de janeiro de 2009 a junho de 2013 chegou a US$ 35 bilhões.

Mas nosso intercâmbio com a China, que totalizou US$ 76 bilhões em 2012, não representou mais que 2% do comércio exterior chinês.

Mesmo sem as mudanças recém-anunciadas pelo governo chinês, as oportunidades daquele mercado para o agronegócio brasileiro ainda estão, em grande medida, para serem exploradas.

Em se tratando da demanda por alimentos, o que provavelmente vai ocorrer ali, nos próximos anos, é uma verdadeira revolução. E o Brasil precisa se preparar para ela.

Em primeiro lugar, a atual liderança chinesa se propôs a dobrar a renda per capita do país nesta década, saltando dos atuais US$ 6.000 para cerca de US$ 12 mil em 2020.

Nesse patamar de renda, a elasticidade da demanda por alimentos ainda é muito alta, sobretudo levando em conta que, nessa trajetória, pretende-se, adicionalmente, uma melhoria mais acentuada de renda para as populações rurais e aquelas ainda marginais nas cidades.

Além do aumento quantitativo da renda, algumas mudanças estruturais deverão ocorrer. A primeira se dará nos motores do crescimento: até aqui, as exportações e os investimentos. A partir de agora, o foco estará no aumento do consumo das famílias.

Dados do Banco Mundial mostram que o consumo doméstico representa apenas 36% do PIB chinês, o que é uma proporção anômala. Nos Estados Unidos, esse percentual atinge 72%; no Brasil, 62%, e, na Índia, 59%.

A discrepância deve-se ao alto grau de desigualdade distributiva e à baixa urbanização, fenômenos que serão objeto das novas políticas públicas. A China ainda mantém uma imensa parte de sua população no campo, vivendo em condições muito inferiores às das populações urbanas.

No começo das reformas de mercado, em 1978, 82% da população vivia no campo. Hoje, a população rural soma 49% da total, mas a proporção ainda é muito grande, considerando que a produtividade no campo é muito menor do que na moderna economia urbana. Isso explica parte da desigualdade.

A situação vai mudar rapidamente com as medidas que visam a ampliar a urbanização, em especial o programa de desenvolvimento de 135 cidades de porte médio --entre 1 milhão e 10 milhões de habitantes. Independentemente de qualquer política, nenhum regime conse- gue manter em harmonia um país dividido em dois mundos tão diferentes.

Além da urbanização, virá uma flexibilização da política de registro de domicílios, que hoje mantém na condição de residentes clandestinos 270 milhões de chineses que vivem nas grandes cidades. Sem acesso a nenhum serviço público, eles são forçados a consumir pouco e poupar muito para atender às despesas de saúde, educação e aposentadoria.

Finalmente, cogita-se dar aos produtores rurais a oportunidade de transacionar seus direitos de uso da terra. No regime vigente, os produtores rurais que migram para a cidade deixam para trás, sem nenhuma remuneração, o único ativo de sua vida: a terra de onde tiram o sustento. O mesmo se dá quan- do os governos locais confiscam a terra rural para construir cidades ou fábricas.

Esse conjunto de políticas e reformas terá como consequência a melhoria significativa de renda para grande parte dos 900 milhões de pessoas ainda à margem do progresso chinês. E crescerá muito a demanda por alimentos, que só poderá ser atendida via importações, dadas as restrições impostas à China pela escassez de água e de terras agricultáveis, que não passam de 120 milhões de hectares.

O Brasil é, talvez, o único país do mundo que pode atender a tempo tal aumento de demanda. Temos terras férteis, clima, tecnologia e força de trabalho qualificada para aproveitar essa oportunidade.

O nosso setor deve utilizar a ótima interlocução que tem com o governo para a construção de um minucioso e abrangente planejamento. O improviso pode ser o nosso maior adversário.




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