Por Bruno Pavan, no jornal Brasil de Fato:“Só deixo o meu Cariri, no último pau de arara”, assim cantou Raimundo Fagner, em 1973, contando a história de um cearense que teimava em não deixar a cidade natal que era vítima de uma grande seca.
Mais de 40 anos depois, no entanto, é São Paulo que sofre com a falta de chuvas, trazendo à tona o perigo iminente de um racionamento de água. De acordo com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) a água do Sistema Cantareira já tem data pra acabar: 27 de outubro.
Dezenas de ambientalistas alertam para a falta de investimento dos governos do PSDB – há 20 anos governando o estado – em obras de estrutura e discordam da culpabilização da natureza. Desde 1985 não foi construído nenhum novo manancial na Região Metropolitana de São Paulo.
“Um dos principais problemas é que a sociedade não prioriza a questão do saneamento. Temos uma falsa ideia de abundância. O debate só esquenta mesmo quando há falta ou enchentes. Por conta dessa falta de pressão, os governos acabam não fazendo da gestão da água uma prioridade”, analisa Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das águas da ONG SOS Mata Atlântica
Sabesp: lucros recordesNão é por falta de dinheiro que as obras necessárias não são feitas. A Sabesp coleciona, desde 2005, uma média de 11% de lucro ano após ano, mas seus investimentos em obras no estado diminuíram 8% entre 2010 e 2013. Um dos grandes problemas é o repasse de lucros para os seus acionistas.
Pensado para aliviar o sistema Cantareira, as obras do sistema produtor de água São Lourenço, planejado para estar em funcionamento em 2019 ao custo de R$ 2,21 bilhões, começaram no último dia 10 de abril. Com os lucros da companhia entre 2005 e 2013, daria pra se fazer seis obras do mesmo porte.
O professor aposentado da Escola Politécnica da USP Julio Cerqueira Cesar disse em entrevista ao site Viomundo que desde quando entrou para a Bolsa de Nova Iorque no ano 2000, “a Sabesp entrou na lógica do lucro, deixou de se preocupar com água e saneamento básico, para se preocupar com seus acionistas.”
O desperdício é outro grande problema. De acordo com a Agência Reguladora de Saneamento e Energia de São Paulo (Arsesp), cerca de 30% do volume produzido pela empresa é desperdiçado. Isso daria para abastecer uma cidade do tamanho de Campinas.
Para o professor Júlio, isso é reflexo da terceirização de parte dos serviços da companhia. “Não dá pra comparar o trabalho de um funcionário da Sabesp com o de uma terceirizada. Quem é terceirizado não recebe a mesma formação e a rotatividade dessas empresas é muito grande. Por isso, não é raro que logo depois de se instalar uma rede, ela esteja vazando”, criticou.
A crise políticaO perigo da falta de água nas torneiras paulistas já extrapolou a divisa do estado. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) chegou a anunciar uma obra no valor de R$ 500 milhões que bombearia água do rio Paraíba do Sul quando o sistema Cantareira atingisse menos de 35% de capacidade.
Acontece que o rio é vital para o abastecimento da região metropolitana do Rio de janeiro e as autoridades cariocas se mostraram reticentes à ideia. O então governador Sérgio Cabral (PMDB) se pronunciou dizendo que “nada que prejudique o abastecimento das residências e das empresas do estado do RJ será autorizado”. A Secretaria Estadual do Ambiente do Rio acrescentou que a dependência dos habitantes fluminenses ao Paraíba do Sul é expressiva e que a proposta de captação poderia causar prejuízos ao estado. Malu Ribeiro, no entanto, analisa que São Paulo poderia fazer a captação do rio em épocas de cheias sem que houvesse nenhum prejuízo ao abastecimento carioca e critica a falta de integração entre as bacias brasileiras.
“Esses sistemas não são interligados e infelizmente a água foi colocada na discussão eleitoral. Mas São Paulo poderia perfeitamente captar água do Paraíba do Sul sem qualquer prejuízo para o abastecimento do Rio de Janeiro . Se a Agência Nacional das Águas (ANA) fizesse o trabalho dela, que é fazer a regulação, os sistemas funcionariam muito melhor”, criticou.
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