Vítima da Folha rechaça Mercadante
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Vítima da Folha rechaça Mercadante


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Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:

Ivan Seixas era um jovem militante de esquerda quando foi preso pela ditadura, ao lado do pai, Joaquim Alencar de Seixas. No dia 16 de abril de 1971, os dois foram levados para o DOI-CODI/OBAN, em São Paulo, e barbaramente torturados.

Em 2009, quando a “Folha” publicou o famoso texto chamando a ditadura de “ditabranda”, Seixas enviou várias cartas ao jornal – jamais publicadas. Numa delas, fez referência ao passado do grupo “Folha”, jornal que “empregava carros para nos capturar e entregar para sessões de interrogatórios, como sofremos eu e meu pai.” E completou: ”Ninguém me contou, eu vi carro da “Folha” na porta da OBAN/DOI-CODI.” (Para saber mais, clique aqui)

Prestem atenção: a “Folha” jamais publicou as cartas de Ivan. Mas publicou, semana passada, a simpática cartinha de Aloizio Mercadante, em que o petista se revela “perplexo” com as notícias de que “seu Frias” (dono do jornal) era muito próximo do aparato repressivo e até daria apoio financeiro à “irmandade” que operava as torturas.

O Escrevinhador entrevistou Ivan Seixas, por e-mail, sobre a tal carta de Mercadante (clique aqui para ler a carta na íntegra, e para saber a opinião deste escrevinhador sobre o episódio). Abaixo, a entrevista, na íntegra. (Rodrigo Vianna)
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O ministro Aloizio Mercadante (que é do PT), enviou uma carta à Folha de S. Paulo declarando-se “perplexo” com a noticia de que Octavio Frias de Oliveira (o “seu” Frias, já falecido, pai dos atuais controladores do jornal) visitava frequentemente o centro de torturas do DOPS, além de ser amigo pessoal do delegado torturador Sergio Paranhos Fleury. O que achou da carta de Mercadante? Há motivo para se sentir “perplexo”?

Perplexos ficamos nós com essa carta. O proprietário do Grupo Folha tinha uma relação tão íntima com o sistema repressivo da ditadura que até cedeu um de seus jornais para o DOI/CODI fazer propaganda de seus assassinatos; chegou a emprestar os carros de distribuição desse mesmo jornal (Folha da Tarde) para os torturadores montarem emboscadas contra os militantes da resistência.

O ministro não deve ler muito as publicações do próprio Grupo Folha, pois o livro da série “Folha Explica”, da jornalista Ana Estela de Souza Pinto, conta tudo isso sem rodeios:
- Na página 51 está escrito que “na Folha da Tarde o endurecimento do regime pós-AI-5 trouxe mudanças radicais. Sem ter conseguido transformar a simpatia dos estudantes em aumento de vendas, o jornal amargou baixa circulação até ser entregue, em 1969, à chefia de Antônio Aggio Jr, jornalista que tinha ligações com órgãos de segurança e adotou uma linha editorial de apoio ao regime militar (…) Na redação, militantes de esquerda foram substituídos por jornalistas ligados à polícia, alguns com cargo de delegado ou patente de major ou capitão da PM“
- Na página 52, informa-se que que “A Folha de São Paulo se mantinha distante da linha policial da Folha da Tarde, mas não enfrentou a ditadura. Desde 1968, praticava a autocensura e acatava instruções repassadas diariamente pela repressão. (…)“
- Na página 56, a jornalista afirma que “do lado da Folha, a direção não nega a possibilidade de a ocorrido, mas sem o conhecimento da empresa. Em 2006, em depoimento para a biografia do empresário, o diretor de redação, Otávio Frias Filho, militante no movimento estudantil no final dos anos 1970, disse considerar possível que veículos da empresa tenham sido usados por policiais e que, ao questionar o pai sobre o episódio, ele sempre negou ter sido consultado sobre empréstimos deles. Frias Filho também não acredita em envolvimento do sócio de seu pai, Carlos Caldeira, que tinha afinidade com integrantes do regime militar e era amigo do Coronel Erasmo Dias.
Caldeira não era o único com conexões militares. Nas redações da empresa havia policiais civis e militares, tanto infiltrados como declarados – alguns até trabalhavam armados. “

O ministro da Educação não lê? Militante da resistência, como se diz, desconhece tudo isso?

O ex-agente da repressão Claudio Guerra disse, em depoimento à Comissão da Verdade da Câmara de Vereadores de São Paulo, que “seu” Frias colaborava com dinheiro para a “irmandade” dos torturadores, além de ser amigo pessoal de Fleury. As afirmações de Guerra merecem crédito? São compatíveis com as informações que você já conhecia?

A ser verdadeira a informação dada por agentes repressores ouvidos, de que a segurança pessoal do senhor Otávio de Oliveira Frias era feita pelo delegado Roberto Quass, do DEOPS/SP, chefiado pelo torturador Sérgio Fleury, podemos concluir que a ligação entre eles não era mera retórica. Como ninguém daria recibo de contribuição para o caixa da tortura, não é possível atestar a veracidade dessa informação do ex-delegado Cláudio Guerra. No entanto, até agora ninguém o desmentiu nem suas informações foram desmentidas pelos fatos.

Qual o testemunho pessoal que você, ex-preso político que teve o pai morto sob tortura, pode dar sobre a Folha e a parceria do jornal com a ditadura?

O jornal Folha da Tarde estampou manchete comemorando a morte de meu pai quando ele ainda estava vivo. Todos os outros jornais publicaram apenas a nota oficial que o II Exército os obrigou publicar. Por outro lado, vi carros da Folha estacionados diante da sede do DOI-CODI em duas ocasiões. Como alí não havia bancas de jornal nem era estacionamento, conclui que eram os carros usados em esquemas para a montagem de emboscadas pra captura de militantes, que seriam depois torturados.

A ALN chegou a explodir carros de entrega da Folha, nos anos 70? Por que isso ocorreu? A esquerda armada sabia, naquela época, da ação do jornal em apoio aos torturadores?

Sim. A resistência sabia que havia esse esquema de cessão de carros da Folha para a montagem de emboscadas. Por causa disso, a ALN queimou carros da Folha para avisar que já sabia disso e que não iria tolerar a continuação dessa prática.

Há um brilhante documentário, chamado “Cidadão Boilesen”, que narra a história do empresário, diretor da Ultragaz, que financiava e participava das sessões de torturas (Boilesen acabou morto, em represália, pelos guerrilheiros de esquerda). Quais as semelhanças entre Boilesen e Frias? Não falta um documentário “Cidadão Frias”?

Nesse documentário o empresário José Papa Júnior afirma sem nenhuma cerimônia ou constrangimento que “todos nós empresários dávamos dinheiro para a OBAN e para o DOI-CODI”.
Creio que seria bem interessante a realização de um documentário “Cidadão Frias”. No Chile foi feito um documentário sobre o dono do jornal El Mercúrio, que tinha essa mesma relação com a ditadura Pinochet. O nome do filme chileno é “Diário de Miguel”.

O ministro petista afirma em sua carta: “tive a oportunidade de testemunhar o papel desempenhado pelo jornal, sob comando de seu Frias, na luta pelas liberdades democráticas (…) Frias merece meu reconhecimento”. O que poderia explicar que o ministro Mercadante tenha escrito essa carta? O ministro faz alguma cálculo político? Está desinformado? Ou tomou uma atitude pura e simplesmente bajuladora?

Talvez seja uma mistura de um pouco de cada um desses ingredientes. Mas a bajulação aos donos da mídia, colaboradores e beneficiários da ditadura, é uma constante em nosso país. Do mesmo modo que a estreita relação com as grandes empreiteiras. Durante a ditadura, essas empresas se lambuzaram com as verbas para a construção de obras faraônicas ao mesmo tempo que davam dinheiro para as torturas. Hoje elas recebem verbas para obras grandiosas ao mesmo tempo que contribuem com TODOS os partidos.

Não por acaso, há anos que os familiares de desaparecidos insistem para que os currículos escolares oficiais incluam o ensino sobre a ditadura militar e nunca conseguiram sensibilizar os ministros da educação para isso. Acho que achamos agora a resposta para esse mistério.




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