Volkswagen e os crimes da ditadura
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Volkswagen e os crimes da ditadura


Por Camilla Feltrin, na revista CartaCapital:

A Volkswagen será denunciada por violação de direitos humanos dentro de sua planta de São Bernardo do Campo (SP) durante os anos da ditadura civil-militar (1964-1985).

A representação será protocolada no Ministério Público Federal (MPF) por uma série de sindicatos e pela Comissão Nacional da Verdade nesta terça-feira 22 em São Paulo, e pedirá a abertura de um inquérito civil para averiguação de responsabilidade sobre perseguições e tortura que "configuram crimes contra a humanidade".

A iniciativa baseia-se em documentos e relatos colhidos pelo grupo de trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores, às Trabalhadoras e ao Movimento Sindical”, da CNV. O pedido alega que a multinacional teve atuação conspiratória junto ao empresariado para manter um rígido controle sobre as atividades políticas de seus trabalhadores, tais como elaboração de dossiês internos e repasse de informações para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops).

O requerimento será endereçado ao procurador regional dos Direitos dos cidadãos do Estado de São Paulo, Pedro Antônio de Oliveira Machado.

A indústria alemã, que conviveu com a ascensão do sindicalismo no ABC paulista, é a primeira empresa acionada na Justiça pelo fato de haver um vasto material em relação às formas de opressão. “Dezenas de empresas podem ser judicializadas nos mais diferentes estados, a exemplo do Rio de Janeiro com a Petrobras. Queremos fazer isso em todo o Brasil”, falou Sebastião Neto, envolvido com a petição.

Além de exigir admissões em colaboração com o regime militar, os militantes da CNV pedem reparações coletivas de caráter pedagógico. "Há inúmeras formas de como fazer a reparação, sobretudo com o apoio a projetos de pesquisa e educativos, tratamento psicológico, de memória e elaboração de material didático. O promotor que deve estabelecer a reparação cabível, mas não queremos ressarcimentos individuais”, analisou Neto.

Repressão civil-militar

Mais que participação na Operação Bandeirantes junto a outras entidades jurídicas ligadas à Fiesp, o pedido de inquérito civil mostra a elaboração de “fichas sujas” com nomes de funcionários acusados de "subversão", como era considerado o envolvimento com causas sociais, eram práticas frequentes na Volkswagen, uma das primeiras representantes da indústria automobilística a instalar-se no Brasil em 1959.

Em 1980, quando deflagrada uma greve de 41 dias comandada por Luiz Inácio Lula da Silva, o Dops recebeu uma lista com 436 trabalhadores grevistas de grandes fábricas do Grande ABC, como Volks, Mercedes-Benz e Villares. Entre outras queixas, a luta, à época, era de um reajuste de 15% nos salários - não conquistados.

Nos documentos, além de endereço residencial, ao lado do nome completo de cada pessoa, há uma anotação do setor do trabalhador dentro da fábrica. Conforme participação em audiência pública em março de 2015, a firma alemã negou ter sido responsável pelo repasse de dados ao órgão de repressão estatal, mas não soube explicar como informações dos trabalhadores estavam de posse dos agentes.

“Os representantes da Volkswagen falaram diversas vezes que a empresa não cometeu nenhuma violação, parecia um mantra de tão repetido”, criticou Neto.



Fotos que estão no relatório final da CNV indicam endereço completo e setor dos trabalhadores 

Crime contra a humanidade

O requerimento assinado por centrais sindicais justifica a acusação de crime de lesa-humanidade segundo convenções assinadas pelo Brasil para criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em que consta agravantes para “ato desumano cometido contra a população civil” motivados por “perseguição por motivos políticos, raciais ou religiosos” e que seria o caso da perseguição à sindicalistas e militantes de esquerda.

Há indicações de normas instauradas para mediação de conflitos em todo o mundo e, em especial, documento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em que orienta a liberdade e direito da classe trabalhadora em pertencer a “um sindicato ou deixar de fazer parte de um sindicato” e nega a jurisprudência de “dispensar um trabalhador ou prejudicá-lo, por qualquer modo, em virtude de sua filiação a um sindicato ou de sua participação, em atividades sindicais”.

Torturado no Departamento Pessoal

Uma das histórias símbolo do autoritarismo dentro da indústria é do aposentado Lúcio Antônio Bellantani, 71. Então funcionário do setor de ferramentaria, o trabalhador conta ter sido preso em 1972, aos 28 anos, pelo encarregado de segurança da própria empresa, o coronel Adhemar Rudge, e entregue aos policiais.

“Comecei a apanhar dentro do Departamento Pessoal, com ponta-pés e socos. Na época, eu distribuía o jornal ‘Voz Operária’ e discutia política com as pessoas com a intenção de levá-las para o sindicato e lutarmos contra a ditadura e pela democracia. Esse foi meu crime”, relatou.

Levado ao Dops, Bellantani passou por sessões de tortura por mais de um mês para que falasse sobre sua militância e reconhecesse cidadãos envolvidos com o PCB e movimentos sociais.

“A minha pretensão é que a Volkswagen construa um memorial e relate o papel que desempenhou neste período de repressão. A luta é para que a história seja registrada e ensinada para as crianças, para que nunca mais se repita. A reparação moral e da verdade são importantes. É por este resgate histórico que trabalho”, falou o ex-operário.

Coronel Rudge, inclusive, ficou na fábrica instalada às margens da Via Anchieta até 1991 e foi contratado para substituir um nazista. O sistema de segurança da Volks, conforme sustenta a CNV, tinha ficado à cargo do austríaco Franz Paul Stangel, deportado em 1967 após três pedidos de extradição por envolvimento por trabalhos nos campos de concentração Sobibor e Treblinka, ambos na Polônia.

O caso da empresa automobilística não é isolado. A aliança civil-militar foi observada em outras instalações industriais. Dados do relatório da CNV indicam prisões arbitrárias e violentas em locais como a Taurus, em Porto Alegre (RS), e a Tupy, em Joinvile (SC), que “emprestou” uma sala para militares por mais de 20 anos.

Os trabalhadores, atingidos pela repressão do braço empresarial da ditadura seguem buscando reparação e reconhecimento.

Procurada por CartaCapital, a empresa não se manifestou.




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