Por André Cintra, no sítio Vermelho:Dado a demonstrações de força no governo anterior — como o hábito de divergir publicamente das orientações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva —, o agora ministro da Defesa do governo Dilma, Nelson Jobim, virou o disco. Sua nova tática é aproveitar espaços na imprensa e nos púlpitos para constranger a presidente Dilma Rousseff não com discordâncias explícitas — mas via declarações dúbias, ironias, maledicências, provocações.
Ao participar do programa Poder e Política — Entrevista, lançado nesta quarta-feira (27) numa parceria entre Folha de S.Paulo, Folha.com e UOL, o ministro se mostrou à vontade para reiterar que está no governo, mas não tem muito a ver com essa gente. A chamada na capa da Folha de hoje já estabelece a primeira demarcação: “Jobim, ministro de Dilma, revela que votou em Serra em 2010”.
Não que seja um segredo de Estado à altura daqueles que Jobim quer esconder da Comissão da Verdade. Seus laços com o tucanato vêm de longa data e foram devidamente renovados em 30 de junho, quando ele participou da festa em homenagem aos 80 anos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Na ocasião, Jobim comparou o ex-presidente à sua atual chefe, Dilma — “nunca o presidente levantou a voz para ninguém. Nunca criou tensionamento entre aqueles que te assessoravam”.
Quase um mês depois, ao iniciar a entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues no programa on-line do Grupo Folha, Jobim sinalizava uma distensão. A primeira pergunta remetia à comparação: “Olá ministro Nelson Jobim. O senhor foi ministro de três governos sucessivos. Com quem é mais fácil trabalhar: Fernando Henrique, Lula ou Dilma?”.
E Jobim rodeou: “Todos são fáceis de trabalhar. Cada um tem o seu estilo. A questão não é fazer comparações. Se você for fazer comparações, não dá solução e só cria problema. O Fernando [Henrique] tinha um estilo. O Lula tinha outro estilo. A presidente Dilma tem outro estilo. Mas são estilos absolutamente razoáveis. Pelo menos comigo as relações são absolutamente extraordinárias”.
A seguir, na comparação entre sua rotina com FHC, Lula e Dilma, Jobim retoma a busca pela distensão e diz que falava sempre “com os três”. Mas a sequência de sua resposta começa a esclarecer com qual desses líderes o ministro é realmente mais afim:
“Eu tinha uma grande integração com o Fernando [Henrique]. Trabalhei com o Fernando também, na Constituinte. Servi como uma espécie de assessor. Porque era advogado, tinha formação jurídica. Então eu tinha boa relação com o Fernando, tinha uma amizade mais íntima com o Fernando.
Com o presidente Lula a mesma coisa, com menos intimidade. Eu frequentava a casa do Fernando e aquela fazenda que ele tinha aqui perto [de Brasília], aos finais de semana. Com o Lula tinha uma intimidade muito boa, sem nenhuma dificuldade. E a mesma coisa se passa com a presidente Dilma.”
Até que lhe perguntaram em quem Jobim votou nas eleições presidenciais do ano passado, e o ministro passou recibo. Lembrou sua relação com Serra, “amigo íntimo”, “meu padrinho de casamento”. Disse que expôs sua preferência ao governo, ao próprio Lula. E, no arremate, debitou parte de sua decisão na conta do ex-presidente. Tudo se resume, diz Jobim, a “manter a minha coerência histórica com o Serra”. Eis a resposta:
“Em uma reunião de articulação do governo, da qual eu participava, eu levantei o seguinte problema. Eu disse: ‘Olha, presidente [Lula], eu estou com um problema. De um lado, por razões pessoais eu não tenho condições de fazer campanha para a ministra Dilma, uma vez que sou amigo íntimo do Serra. O Serra foi meu padrinho de casamento, eu morei com ele algum tempo aqui em Brasília. Quando vou a São Paulo, normalmente eu janto com ele, vou ao Palácio [dos Bandeirantes] com minha mulher, nos damos muito bem. Por outro lado, eu tenho também um impedimento de natureza institucional de fazer campanha para o Serra. Porque o governo do qual eu participo tem um candidato que é a ministra Dilma’.
Aí o Lula disse: ‘Olha Jobim, fique fora disso. Eu sei claramente das suas relações com o Serra. Sei que você tem uma amizade íntima com o Serra de muitos anos’. E avisou ao Padilha: ‘Olha, não envolvam o Jobim na campanha’. E eu votei no Serra.”E o que Dilma teria achado disso? Segundo Jobim, sua própria postura foi a mais irrepreensível. Não só Dilma sabia do serrismo do ministro como até teria lhe atribuído mais respeito por sua heroica sinceridade. A tal ponto que a relação entre eles não azedou depois da eleição.
“Azeda quando você esconde”, ensina Jobim. “Quando você não esconde, quando você é transparente, não tem como azedar. Tem como se resolver. O problema é quando você esconde, fica fazendo dissimulações. Daí dá problema. Eu não costumo fazer dissimulações, então não tenho dificuldades.”
O ministro também flerta com os militares. Embora não chegue ao ponto de praguejar contrariar a Comissão da Verdade, Jobim volta a dizer que, em sua gestão na Defesa, as Forças Armadas foram as primeiras a abrirem os arquivos da ditadura militar (1964-1985) — ou, pelo menos, os documentos sigilosos que ainda perduram. E se proclama como o ministro que, de fato, lutou pelo restabelecimento do direito à verdade.
“Antes mesmo de [eu] entrar no Ministério da Defesa (...), a presidente Dilma era ministra da Casa Civil e tinha determinado criar uma comissão sobre documentos. Ela foi presidente [da comissão]. E enviou ao então ministro, o Zé Alencar, para determinar aos militares a entrega desses documentos. Foram encaminhados aos comandantes de Força os avisos.
A Força Aérea inclusive colocou à disposição alguns documentos que ela havia encontrado nos seus arquivos. Mas o Exército e a Marinha disseram que não havia mais nenhum documento. Haviam sido incinerados há algum tempo.
Depois, essa comissão [presidida por Dilma] determinou que o Ministério da Defesa abrisse um inquérito. Na época, [o ministro] era o Valdir [Pires]. O Valdir acabou atrapalhado com o problema da aviação civil e não tomou providências. Eu tomei providências nesse sentido. Mandei abrir os inquéritos.
Vieram então as respostas das três Forças. A Força Aérea informou que tinha aqueles documentos que tinha posto à disposição. Entregou os documentos. Os demais informaram que os documentos tinham sido incinerados. E, quando eles tinham informado que tinham sido incinerados, a ministra Dilma pediu então que se apresentasse o termo de incineração.
Só que o termo de incineração, pela legislação vigente, exigia que os documentos fossem sigilosos. Eles informaram que não eram sigilosos e que foram incinerados normalmente. (...) Como você não tem formalização do processo de incineração, você não tem como identificar de quem partiu o ato.”Há um mês, Jobim “comemorou” o desaparecimento de arquivos ultrassecretos e, pouco depois, disse se sentir cercado de “idiotas”. Agora, o ministro que se diz desacostumado a “fazer dissimulações” revela ter sido habitué da fazenda de FHC e do Palácio dos Bandeirantes sob Serra. Com tanta polêmica, votar no “amigo íntimo” em 2010 talvez seja mesmo o episódio menos ruidoso na saga de Nelson Jobim.
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