Por Rodrigo Martins, na revista CartaCapital:
O Ministério da Saúde confirmou a terceira morte provocada pelo zika em adultos no Brasil. A vítima, uma jovem de 20 anos do município potiguar de Serrinha, morreu em abril do ano passado. À época, os médicos do Hospital Giselda Trigueiro, em Natal, acreditavam que a paciente não resistiu a uma dengue severa, mas os exames apresentaram resultados inconclusivos.
Com um novo vírus em circulação no País, o Instituto Evandro Chagas, do Pará, decidiu fazer uma nova análise do material e, desta vez, confirmou a infecção por zika. O laudo foi encaminhado à Organização Mundial da Saúde, que havia decretado situação de emergência internacional em decorrência da dispersão do vírus e suas consequências, com transmissão autóctone em 24 países das Américas.
Os óbitos de adultos ampliam as preocupações em relação ao vírus, descoberto há quase 70 anos, mas pouco estudado até chegar ao Brasil, onde encontrou ambiente propício para se proliferar com a carona do Aedes aegypti.
Por décadas restrito a comunidades rurais da África e do Sudeste Asiático, o zika era considerado pouco nocivo. Assintomático em até 80% dos casos, ele leva parte dos infectados a manifestar febre, manchas avermelhadas pelo corpo e dores nas articulações.
Os sintomas desaparecem em poucos dias. Após os surtos na Micronésia, em 2007, e na Polinésia Francesa, em 2013, descobriu-se sua relação com a Síndrome de Guillain-Barré, doença autoimune que provoca paralisia muscular.
Somente após aportar no Brasil, o zika revelou maior potencial de danos, quando surgiram robustas evidências de ser capaz de provocar abortos e comprometer o desenvolvimento do cérebro dos fetos.
“Percebemos aos poucos um espectro mais amplo da doença, com maior gravidade”, lamenta o diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch.
Na quarta-feira 17, a pasta confirmou o diagnóstico de 508 bebês com microcefalia ou malformação do cérebro, sendo que ao menos 41 deles tiveram exposição comprovada ao zika. Outros 837 casos suspeitos foram descartados e 3.935 permanecem sob investigação.
Um novo estudo, publicado no periódico científico The New England Journal of Medicine, reforça a relação do vírus com a microcefalia. O trabalho relata o caso de uma gestante eslovena, infectada pelo zika em Natal.
A mulher retornou à Europa e recorreu a um aborto, após exames revelarem que o feto tinha circunferência cefálica reduzida e calcificações em diferentes áreas do cérebro. Após a autópsia, pesquisadores fizeram o sequenciamento completo do vírus, encontrado nas estruturas cerebrais.
Pouco antes do Carnaval, pesquisadores da Fiocruz detectaram a presença do vírus zika ativo, com potencial de infecção, em amostras de saliva e urina. Liderado por Myrna Bonaldo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, o estudo não é conclusivo sobre a possibilidade de contágio pelo contato com os fluidos corporais.
“Temos de ter muito cuidado porque o fato de você detectar partículas viáveis não necessariamente indica que elas vão ter um papel importante na transmissão.” Por precaução, a Fiocruz orientou as gestantes a evitar aglomerações, bem como o uso de talheres e copos compartilhados.
As dúvidas sobre a dimensão dos danos causados pelo zika alimentam as especulações de boicote às Olimpíadas do Rio de Janeiro. O presidente do Comitê Olímpico do Quênia, Kipchoge Keino, ameaçou não levar atletas para a competição.
Toni Minichiello, treinador da atual campeã do heptatlo, a britânica Jessica Ennis-Hill, defendeu que a Grã-Bretanha retire seu campo de treinamento do Brasil. Coube a Bernd Wolfarth, chefe da Confederação Alemã de Esportes Olímpicos, defender maior cautela. Segundo ele, o surto precisa ser monitorado, mas não ameaça os Jogos.
Para o infectologista Rivaldo Venâncio, diretor da Fiocruz em Mato Grosso do Sul, é um equívoco responsabilizar a Copa de 2014 pela entrada do zika no Brasil, bem como difundir a tese de que as Olimpíadas irão alastrar a epidemia.
“Milhões deslocam-se todos os dias de um canto para o outro, em viagens a trabalho ou por lazer. Não há como parar o mundo. Temos de nos concentrar no vetor conhecido, o Aedes aegypti. Onde o mosquito estiver, pode haver surtos de dengue, chikungunya e zika. Da mesma forma, por onde o zika circular, poderá ocorrer um grande aumento dos casos de malformação do cérebro de bebês.”
Recentemente, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva publicou um manifesto com críticas às estratégias de combate ao vetor no País.
“Sem fazer os investimentos necessários para universalizar o saneamento básico, a oferta de água tratada e a coleta de lixo, as autoridades, demagogicamente, apelam para o uso de inseticidas e larvicidas. É temerário, pois os mosquitos estão ficando mais resistentes e a população, exposta ao risco de intoxicação”, explica Gastão Wagner de Souza Campos, presidente da entidade e professor do Departamento de Medicina Preventiva da Unicamp.
“Mobilizar a população para eliminar os criadouros é importante, mas não suficiente. O Aedes também se reproduz fora das residências. E não há integração entre municípios, estados e União, o que impede a implementação de ações sincronizadas.”
Com o vetor fora de controle, as autoridades buscam acelerar as pesquisas para uma vacina. O Instituto Butantan trabalha em parceria com o National Institutes of Health, dos Estados Unidos, para disponibilizar a imunização em três anos. Antes disso, os pesquisadores brasileiros esperam criar um soro para tratar os infectados.
A ideia é inocular em cavalos o vírus inativo, para depois separar os anticorpos produzidos pelo animal. “Esperamos que o soro seja capaz de neutralizar a ação do zika, sobretudo nas mulheres gestantes”, diz Jorge Kalil, diretor do Butantan. “O desenvolvimento deve demorar de um a dois anos, mas é apenas uma expectativa. Não tenho como prever os percalços que teremos.”
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