Para analisar o Lolita do Kubrick de forma mais objetiva, um estudioso dividiu o filme em unidades, e contou em quantas dessas unidades Quilty, personagem do Peter Sellers, aparece, direta ou indiretamen
te (apenas mencionado, por exemplo). Deu quase metade do longa. Isso prova, em termos estatísticos, como Quilty, que no romance só aparece no final, é um personagem central no filme. Dá pra fazer o mesmo com qualquer obra. E, bem, não vou dividir Bastardos Inglórios nem contar os pedaços, mas me parece que os personagens mais importantes desta fabulosa obra tarantinesca são o Coronel Landa (o vencedor do Oscar de melhor coadjuvante Christoph Waltz) e a Shosanna (Melanie Laurent), e
é por isso que a cena em que ambos se encontram, no café, é tão memorável. Landa pede leite pra Shosanna (onde ela estava refugiada, anos atrás, era uma fazenda leiteira), e depois diz se esquecer do que queria lhe perguntar. Que alguém tão atento e perspicaz como Landa se esqueça de alguma coisa é impossível. Pra mim, não resta dúvida que ele sabe perfeitamente bem quem é Shosanna, e até o que ela planeja fazer.
Aldo (Brad Pitt) também é um personagem fundamental, certo, pois ele comanda
o “exército” alternativo que tá no título, mas ele está ausente de toda a primeira parte. Aliás, ele nem sabe da existência de Shosanna, e vice versa. Eles podiam estar em filmes paralelos. Já Landa é o verdadeiro onipresente. Ele sabe tudo, vê tudo, está em todas, desde o começo. Mesmo nas cenas em que ele não aparece (como nos escalpos dos bastardos), ele se põe lá. Quando ele negocia sua rendição com Aldo, os dois bastardos ficam surpresos por Landa saber quem é
cada um, tanto seus nomes como suas descrições físicas. Landa se ofende, e diz: se você acha que eu não entrevistei minuciosamente cada um dos soldados marcados que vocês liberaram, você está me subestimando. E, ao contrário de Shosanna, Landa dá as caras na longa cena da taverna. Bem, não na cena em si, mas depois do massacre, lá está ele para descobrir o sapato e o guardanapo autografado.
E ele está no controle até o final, quando passa o bastão (no caso, o facão de apache) para Aldo. E vai se arrepender disso. Mas é ele que controla toda a sequência da noite de gala no cinema, que começa com um traveling de Shosanna, vigiando do alto os seus domínios. Logo essa visão do a
lto é substituída pela de Landa. É ele que supervisiona tudo, que vai falar com a estrela e com Aldo e seus bastardos fingindo ser italianos, no momento cinematográfico mais hilário do ano passado. Landa mata a estrela, após passar pela podofilia de praxe do Taranta (tem close de pé em Kill Bill, em Pulp Fiction, em Jackie Brown, em À Prova de Morte). Landa manda prender Aldo. Landa lamenta não ter controle sobre o apelido que lhe deram, o caçador de judeus (porque, aparentemente, é a única coisa que ele não controla).
E, pensando bem, é Landa que permite que Taranta reescreva a História. Até o último minuto a gente pensa que Hitler e seus três principais comandantes irão escapar, porque, pô, a gente tem a História do nosso lado, e na vida real a Segunda Guerra não acabou com o alt
o comando nazista indo pelos ares numa premiere. A gente pensa que alguma coisa vai acontecer: os rolos não vão pegar fogo, alguém vai metralhar a porta, o cinema vai explodir mas Hitler terá saído; de repente nem é o Hitler, mas um sósia... Landa tem a vida de Hitler nas mãos e, como ele lembra, o destino da guerra. É ele quem negocia os termos de sua rendição (tanto que só ouvimos a voz do seu interlocutor mais adiante, quando Landa passa o telefone a Aldo). 