Semana passada saiu uma pesquisa realizada em Wisconsin, EUA. Alguns veículos mais sensacionalistas decidiram noticiá-la com títulos como este: “Maioria dos estudantes nos EUA acha que Beethoven é um cachorro”. Quando vi isso, minha primeira reação foi: mas Beethoven é um cachorro, ué. Mais especificamente, um São Bernardo, protagonista d
e vários filmes-família. Certo, Beethoven é também aquele brilhante compositor surdo. E se minha primeira associação com Beethoven não for nem com o cão, nem com o compositor, e sim com a trilha sonora favorita do Alex em Laranja Mecânica? Posso?
houve um São Bernardo chamado Beethoven, mas por que nós, brasileiros, agimos como se o cão fosse nosso? Até parece que eles sabem quem matou Odete Roitman. Opa, taí: a minha referência de fato famoso numa novela é pré-histórica. Um jovem brasileiro provavelmente desconhece que existiu um personagem chamado Odete Roitman. E quem matou Salomão Ayala? Piorou. Se eu quiser me comunicar com os jovens, preciso atualizar minhas referências. O problema é: tem alguma novela hoje que gere a repercussão desses folhetins antigos? Não, não tem. E o motivo é simples. Na época de Odete, a Globo conseguia 70% de Ibope. Hoje, tem 30%. A emissora ainda fornece referências culturais import
antes, mas não tem mais o poder de parar o país pra que acompanhe o final de Roque Santeiro, ou, mais sério, de eleger seu candidato à presidência.
riza, sim, referências da nossa adolescência. Uma vez conheci um austríaco, jogador de xadrez nascido exatamente no mesmo dia, mês e ano que eu (a única pessoa que já conheci pra compartilhar aniversário), e ele fingiu nunca ter ouvido falar de ET, o Extraterrestre. É, fingiu, porque até hoje não acredito que alguém que foi adolescente em 1982 possa não conhecer o phone home. Não era só um filme, era um evento. Tinha bonequinhos, posters em todo o lugar, só se falava nisso. A gente sabia até da vida da atriz anã por baixo do personagem. É como Crepúsculo hoje ― existe adolescente de classe média que não saiba quem é Edward Cullen?
heço as referências culturais dos jovens (pelo menos essa do Crepúsculo, e o nome Lady Gaga não me é estranho), e eles não conhecem as minhas. Pra mim, Fergie sempre será antes de tudo uma princesa! Isso não faz de mim mais inteligente, e muito menos mais “culta” (sempre associado a uma cultura de elite), mas faz de mim mais rancorosa. Parece que os jovens não se esforçam. Como eles podem crer que o mundo só começou depois deles? E eu? E eu? Bom, eu, apesar de ter nascido em 1967, já vi e revi E o Vento Levou (de 1939), e li e reli Admirável Mundo Novo (1932). É chocante pra mim ver gente que nunca ouviu falar de Frank Sinatra. É triste jogar um joguinho de mímica de filmes com amigos quinze ou vinte anos mais jovens que eu e ver que, pra passar O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, eles precisam fazer a mímica de cada palavrinha, enquanto com pessoas da minha geração, passando “dragão”, alguém vai identificar o fi
lme do Glauber Rocha. Mas é mesmo importante saber quem é Glauber, um cineasta cujos filmes envelheceram mal? Essas expressões que usamos, “envelhecer mal”, “tá datado”, servem pra dizer a mesma coisa: perderam suas referências culturais.
menos sei o que é rebobinar). Mas não dá nem pra ter noção de que “cinema em casa” é algo recente? Outro dia li uma entrevista do cineasta Walter Lima Jr. Nascido em 1938, ele falava de quando começou a ver filmes, com dez ou doze anos. E o jornalista perguntou pra ele: onde você via filmes: no shopping, em casa? Ahn, o jornalista deve achar que shopping center é contemporâneo dos dinossauros, e que, desde que o mundo é mundo, todas as salas de cinema ficam em shoppings (pros mais jovens: o primeiro shopping no Brasil é de 1963, e, até o início dos anos 90, ainda havia mais salas de cinema na rua. Só depois as igrejas evangélicas compraram todas, e os cinemas
foram se refugiar nos templos de consumo). A TV brasileira começou em 1950, e duvido que ela passava filmes. O vídeo só se popularizou a partir de 1980. A internet, não preciso nem falar. Portanto, pro Walter, só havia uma forma de ver filmes: indo ao cinema, pô!
porque o celular terá tomado seu lugar, e vou ter que depender do meu gato pra acordar às 5 da manhã. Relógio de pulso também tá que nem o DEM ― em vias de extinção. Olha só que trágico: se eu encarar alguém e apontar pro meu pulso, pedindo as horas, aquela pessoa me olhará torto!