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Em defesa do trabalho portuário - WILEN MANTELI
O ESTADÃO - 08/02
Pressões sindicais levaram o Congresso Nacional a inserir no novo marco regulatório do setor portuário mudanças que terão impacto econômico negativo, especialmente nos portos públicos. O texto final da Lei n.º 12.815 restabeleceu o monopólio sindical do trabalho avulso, que havia sido extinto pela lei anterior (n.º 8.630/1993). Três dispositivos consumaram esse retrocesso: a proibição de recrutar, mesmo para vínculo empregatício, qualquer trabalhador não pertencente aos quadros do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo); a elevação de todos os segmentos do trabalho portuário avulso à condição de categorias diferenciadas; e a permissão para que trabalhadores aposentados permaneçam nos quadros do Ogmo. Esse conjunto de alterações configura um retorno aos anos 1940.
A obrigatoriedade do recrutamento no Ogmo de trabalhadores que até então as empresas podiam buscar no mercado, treinando-os sob medida para suas necessidades, fere a liberdade de contratar consagrada na Constituição, além de dificultar a formação de equipes afinadas, capazes de atuar como um time focado em resultados. A estratificação e a constituição dos avulsos em categorias diferenciadas, por sua vez, deixarão os portos brasileiros mais distantes da multifuncionalidade - meta indispensável à integração operacional porto-navio -, tornando o trabalho mais complexo, demorado e caro, pela impossibilidade de se implantar um comando único. Essa fragmentação irá, ainda, acirrar conflitos sindicais com os terminais privados, pois, na falta de um sindicato preponderante, as empresas serão obrigadas a negociar com cada uma das seis categorias de trabalhadores avulsos. O trabalhador mais jovem, justamente aquele com maior potencial para a multifuncionalidade, ficará engessado dentro de sua categoria, com chances limitadas de ascensão profissional.
O trabalhador avulso que se aposentar poderá permanecer no Ogmo, inchando continuamente o seu contingente e inviabilizando programas avançados de capacitação, uma vez que as empresas não terão interesse em custear treinamento para profissionais em fim de carreira ou sem condições de trabalhar. Um quarto dispositivo - o da garantia de renda mínima, que em princípio seria justo para com os trabalhadores -, articulado com os demais, servirá somente para elevar o custo da movimentação portuária, sem contrapartida em aumento de produtividade. A garantia da renda mínima deveria ser considerada somente após o atendimento das demais recomendações da Convenção n.º 137 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), firmada em 1973 para atenuar os efeitos sociais da automação das operações portuárias.
Muito citada, mas pouco respeitada no Brasil, a Convenção n.º 137 determina que os portuários registrados tenham prioridade no acesso ao trabalho e que estejam disponíveis para trabalhar de acordo com a legislação ou a prática nacionais (art. 3.º); e recomenda que os quadros profissionais sejam periodicamente revistos conforme as necessidades do porto (art. 4.º). A OIT propõe, portanto, um equilíbrio entre direitos e deveres dos trabalhadores avulsos que nunca chegou a ser estabelecido nos portos brasileiros.
Cabe ao governo a responsabilidade de administrar os conflitos que inevitavelmente virão. Será necessário criar um estímulo para o cancelamento da matrícula no Ogmo, por meio de negociações em cada região portuária entre governo, empresários e trabalhadores. Dessa forma, sim, estaremos atendendo à Convenção n.º 137 da OIT, que se aplica, expressamente, "às pessoas que trabalham de modo regular como portuários, e cuja principal fonte de renda anual provém desse trabalho" (art. 1.º). Não há melhor garantia para o trabalhador do que a qualificação técnica permanente. A postura do governo diante das relações entre capital e trabalho nos portos terá grande relevância para definir se continuaremos atados a práticas do passado ou se estamos dispostos a encarar os desafios do século 21.
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