Outro dia revi Fahrenheit 11 de Setembro (tenho o dvd em casa), e mais uma vez, amei de paixão. Adoro não só a linha ideológica do Michael Moore, um raro americano de esquerda, como seu hum
or. Sua ironia e as escolhas da edição são sempre garantia de boas risadas, e eu acredito que dá pra falar de assuntos espinhosos com humor. Em Fahrenheit, meus momentos preferidos são quando Michael explica quantos patrulheiros vigiam uma imensa fronteira no Oregon (“Um. Meio período”), e quando pergunta a um membro do Congresso como puderam aprovar o Patriot Act (que restringiu liberdades constitucionais dos próprios americanos) sem ler o projeto. O congressista responde, “Sente-se, meu filho. [Pausa] Nós raramente lemos os projetos de lei”. Mas há várias nuances, como tocar os primeiros acordes de “Co
caine” ao falar da dispensa de Bush do exército quando jovem. E foi um achado colocar a gravação de como Bush recebeu a notícia do ataque às Torres Gêmeas (ele foi a uma escola e ficou lendo Meu Bode de Estimação com os aluninhos, embora seus assessores o tivessem avisado do primeiro avião antes de entrar. Um outro assessor então sussurrou no seu ouvido as palavras “os EUA estão sobre o ataque”, pra avisar sobre o segundo avião, e Bush ficou lá durante sete longos minutos, pensando na vida, decidindo o que fazer). Mas algumas cenas, como as dos iraquianos feridos e mortos, são duras de assistir. E é fascinante o paralelo que Michael traça entre uma senhora iraquiana, desesperada
por ter tido sua casa destruída e seus parentes mortos, gritando “Onde está você, Alá? Salve-nos deles!” (a primeira vez, mas não a única, em que chorei no filme), e uma senhora americana da cidade de Flint, Michigan (cidade natal de Michael), que perdeu seu filho na Guerra do Iraque, chorando em Washington, dizendo “Quero meu filho de volta”.
stão costumava ser: 'Será possível que nós estivemos do lado errado na Guerra do Vietnã?' Não estivemos do lado errado ― nós somos o lado errado”.
professora do New York University, e um dos filmes obrigatórios foi, claro, Corações. Eu o vi numa sala da UFSC junto com outras três colegas, e só posso dizer que, lá pelo meio, tivemos que interromper a exibição pra recuperar o fôlego, porque todas nós chorávamos tão forte que era impossível continuar. É um documentário que mexe com a gente e, se você tiver que ver apenas um filme sobre o Vietnã, esqueça Apocalipse Now ou Nascido para Matar, e fique com Corações e Mentes. É um dos poucos que mostra o ponto de vista dos vietnamitas. Mas não só isso: mostra também a lavagem cerebral pela qual passam os americanos (principalmente os meninos) para serem convencidos a servir em guerra após guerra. 
iar na cova junto com seu filho, um pai revoltado manda levarem a blusa que pertencia a sua filha de 8 anos pro presidente americano, Nixon, um menino uiva de dor no enterro de seu pai (veja aqui). E aí aparece o general americano Westmoreland dizendo (minha tradução): “Bem, o oriental não dá o mesmo valor à vida que o ocidental dá. A vida é plena e barata no Oriente. E como a, uh, filosofia do Oriente afirma, a vida não é importante”.
á a impressão de não haver confronto (só ele fala). Claro que o diretor Errol Morris interrompe o monólogo de McNamara com imagens, e inúmeras vezes essas imagens contradizem o que o secretário diz. O principal instante que analiso no meu paper é quando McNamara, que deveria estar falando da Guerra do Vietnã, decide antes (pra evitar o assunto espinhoso) se vangloriar de sua gestão na Ford. Ele diz que foi ele quem inventou os cintos de segurança, salvando a vida de 20 mil pessoas por ano. Esse depoimento em si já é irônico, pois vem depois de McNamara discorrer sobre os cem mil japoneses mortos numa única noite em Tóquio durante a Segunda Guerra. E el
e conta que teve a brilhante ideia dos cintos ao falar com sua esposa sobre pacotes de ovos. Os ovos não quebram porque são empacotados corretamente, “e se empacotássemos as pessoas nos carros da mesma maneira, reduziríamos a quebra”, diz ele. Morris inclui na edição doze segundos de duas cenas de uma embalagem de ovos sendo jogada do alto de um andar, e obviamente se espatifando ao encontrar o chão. É o jeito do documentarista apontar que seu entrevistado está mentindo, e não apenas sobre os ovos. Sarah Kozloff, que
tem um dos melhores livros já escritos sobre ironia e narração em off no cinema, diz que tendemos a acreditar mais nas imagens que nas palavras. Sempre que há uma discrepância entre as palavras narradas e as imagens, podemos suspeitar de ironia. Claro que os noticiários de TV sabem disso. Todos os documentaristas sabem disso. E Michael Moore, mais do que ninguém atualmente, usa essa discrepância pra gerar humor através das suas muitas ironias. Irônico também é que os EUA não deixem de oferecer farto material para documentários sobre sua guerra eterna.