“ESPERO QUE ISSO TERMINE NUM CASAMENTO FUTURO ENTRE ELE E A NAMORADA”
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“ESPERO QUE ISSO TERMINE NUM CASAMENTO FUTURO ENTRE ELE E A NAMORADA”


A Lila pôs no seu blog um vídeo absolutamente repugnante de uma entrevista da Rede TV com o sequestrador e assassino Lindemberg. Eu não tinha visto isso. Li várias entrevistas de jornalistas com o criminoso. Parece que tudo quanto é jornal e emissora de TV conseguiu ligar pra ele. E a polícia não fez nada pra impedir! Não dá pra acreditar em algo assim. O “quarto poder” pode então telefonar pra um criminoso que está apontando uma arma pra uma menina de 15 anos, em plena negociação com a polícia? Quer dizer, qualquer um que descolasse o número poderia ligar pra Lindemberg e passar trote, xingar, orar por eles, qualquer coisa? Virou um Disk-Sequestrador! As telecomunicações tiveram papel decisivo no desfecho do sequestro: a mídia agia como se o apartamento invadido fosse a casa da mãe joana; no último dia, a bateria do celular do negociador policial acabou (pasmem!). Mas essa da Rede TV, no programa da Sônia Abrão, eu não tinha visto. São longos minutos de um nojento com tique nervoso falando pra Lindemberg ter calma, enquanto tudo que o rapaz parece querer saber é: “Tá na televisão? É ao vivo?”. Isso é puro A Montanha dos Sete Abutres, grande filme de 1951 sobre uma tragédia que um jornalista perpetua para poder tirar proveito dela. É muito deprimente, muito mundo cão quando o repórter pede pra falar com Eloá, e ela, com voz trêmula, chorosa, tenta responder que “tá tudo bem”, mas que está fraca, com fome. E pede pra mandar um beijo pra mãe e pro pai. Sabe, como faz todo mundo que aparece na TV? Manda alôzinho e beijo pros pais? Eloá também fez isso, mas desmoronando, sem saber que iria ser assassinada dentro de algumas horas.
Em seguida, a apresentadora Sonia volta com seu programa de auditório, agora recebendo convidados, um advogado e um psicólogo (todos homens brancos, óbvio). E segue-se o seguinte diálogo surreal:
Sonia Abrão: “Boa tarde, Dr. Ademar, e com a sua experiência [sic] nos orientar assim sobre o que vai acontecer daqui pra frente, pra que a gente possa ter uma idéia, claro”.
Doutor Ademar Gomes: “Bom, eu sou muito otimista, né? Eu espero que isso termine assim em pizza, né, e num casamento futuro entre ele e a namorada, a apaixonada dele, né? Ele tá passando uma fase momentânea, né, e ele tem a motivação de viver, porque um rapaz jovem, quando se apaixona muitas vezes se desequilibra, no caso radicaliza, mesmo. Mas isso vai terminar realmente em final feliz, graças a Deus, eu tenho plena certeza e convicção disto”.
Palavras assim só podem vir de alguém que não tem a mínima empatia! Que não consegue se colocar no papel de uma menina, de uma mulher. Sério que, se tudo acabasse “bem”, “em pizza” (me expliquem como uma tragédia dessas poderia “acabar bem”, mesmo que ninguém morresse), Lindemberg e Eloá iriam se casar? Quer dizer, Doutor Ademar não pensou em perguntar pra Eloá se ela iria querer se casar com um cara que bateu nela, a ameaçou de morte, apontou uma arma pro seu rosto, atirou no seu computador e, finalmente, na sua cabeça e na sua virilha. Tadinho, Lindemberg estava só numa “fase momentânea”, e tantos jovens passam por isso e “radicalizam” nessas horas, não é mesmo? Nesse momento não foi apenas Lindemberg que viu Eloá como sua posse. A mídia e esse doutorzinho asqueroso fizeram a mesma coisa. Eloá nem existia. Ela era apenas “a apaixonada”, “a namorada” (nem falaram em ex-namorada) daquele bom rapaz, trabalhador, de boa índole, “meu querido”, como repetia o repórter. E notem o termo que o doutor usa, “terminar em pizza”. Isso é sinônimo de impunidade!
Se Eloá saísse viva de lá, Lindemberg iria ser aplaudido, e todos (os homens) comemorariam o final feliz, cheio de amor, de um batalhador que teve a coragem, o brio, a hombridade de reconquistar a amada. As emissoras já marcariam a data do casamento pra poder fazer uma grande cobertura (sem pedir o consentimento de Eloá). Seria um lindo happy end! Não pras mulheres que apanham dos companheiros, que são ameaçadas diariamente e assassinadas de vez em quando. Mas o que elas importam? Este não é um mundo pra amadoras.




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