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"A PESSOA TEM O DIREITO DE SER HOMOFÓBICA, RACISTA, MACHISTA?"
A D. escreveu sobre o que aconteceu neste último carnaval de Salvador:
Lola, querida, acompanho seu blog há alguns anos, e sou extremamente grata a você pelo seu trabalho e por todo tempo que você dedica a causas tão importantes. Resolvi te escrever porque estou atormentada por algo que aconteceu comigo, mas a violência não foi contra mim especificamente. Explico: saí com alguns amigos do meu marido (programa que geralmente acho chato), e lá pelas tantas, na mesa do restaurante, um dos amigos dele resolveu iniciar aquele discurso de "eu não quero ter filho gay, eu não suporto ver gay se beijando, se eles querem fazer as coisas deles que façam pra lá, mas não consigo aguentar ver essas coisas, tenho que levantar e ir embora pra casa. Inclusive não vou mais em carnaval em Salvador porque só tem viado se beijando e isso é demais pra mim". Eu realmente não consigo ficar calada nessas horas e o enfrentei. Disse que ele devia se envergonhar de falar coisas tão idiotas assim em voz alta, no meio do restaurante, para qualquer um ouvir. Que ele deveria fazer o exercício de trocar o alvo do preconceito de "eu não suporto gay" para "eu não suporto negro", se ele estaria repetindo tais absurdos. Falei que se tratava do mesmo preconceito, e ele negou veementemente, que a situação era bem diferente. E aí comecei a dar exemplos diversos, do tipo "se meu marido -- o amigo dele -- assumisse ser gay, se ele deixaria de ser amigo", e ele disse que provavelmente sim, porque não teriam mais assuntos em comum. Olha, foram diversos absurdos ouvidos naquela noite. Mas o que eu percebi e que me deixou estarrecida, é que dos seis casais que estavam na mesa, ninguém demonstrou empatia com minhas ideias, e disseram que eu teria que respeitar a opinião do homofóbico. Inclusive meu marido (e eu escrevo isso com lágrimas nos olhos porque não esperava essa atitude dele) acha que todos têm direito à opinião e incômodo. Disse que eu estava histérica porque eu falei com o autor das afirmações que ele sim era o tipo de pessoa que eu não gostaria de ter por perto e que me incomodava estar junto.Lola, o que eu queria saber: é exagerado contra-argumentar e achar que o outro não tem direito a ser homofóbico/ racista/ machista, etc? Ou desde que essas pessoas não "façam mal" à vítima do preconceito íntimo deles, eu devo respeitar tais pessoas? Tenho que respeitar a opinião preconceituosa como se tem que respeitar a opinião religiosa e política? Porque essa foi a conclusão das pessoas da mesa, de que se ele não faz mal a ninguém, devo respeitá-lo, assim como se respeita religião e política. Gostaria mesmo de que você me esclarecesse e fomentasse essa discussão, se você achá-la relevante. Vai me ajudar muito.
Minha resposta: Que droga, hein? Você enfrentar um homofóbico num grupo de amigos, seu marido no meio, e ainda ser chamada de histérica (um adjetivo historicamente machista, já que é sempre associado a mulheres, até porque vem da palavra grega para útero). Não, não se tem que respeitar a opinião preconceituosa de alguém. Até porque não é opinião, é preconceito. E preconceitos devem ser combatidos. Você pergunta, inclusive, "opiniões preconceituosas devem ser respeitadas, como se tem que respeitar a opinião religiosa e política de alguém?" Devemos respeitar religiões, concordo, desde que elas não se intrometam num estado que deveria ser laico. Religiões devem sim ser criticadas quando fomentam violência e preconceito. Por exemplo, esta semana fiquei sabendo de um abaixo-assinado de alguns católicos que não aceitam que a PUC-Rio realize uma semana de celebração ao Dia Internacional da Mulher. A justificativa seria que o movimento "feminista possui bandeiras que são contrárias à fé católica". Querer proibir discussões no Dia Internacional da Mulher deve ser respeitado? E vemos a ação nefasta de Eduardo Cunha no congresso, colocando seus dogmas religiosos acima dos interesses de milhões de brasileiras. Se "respeitar" a opinião desses retrógrados é se calar, então não, não devemos respeitá-los.E "opinião política" também tem limites. Defender o impeachment porque não votei na pessoa é um pouco demais. Nos EUA, existem grupos militaristas que treinam tiro ao alvo com bonecos do Obama e sonham em derrubar um governo democraticamente eleito. É a "opinião política" deles, ué? Deve ser respeitada?Ou outro caso recente: o ex-ministro da Fazendo Guido Mantega foi ao Albert Einstein com a esposa visitar um amigo que sofrera um infarto. Lá, algumas pessoas gritaram pra ele, "Vai pro Sus" e "Vai pra Cuba". Decerto são opiniões políticas, mas devem ser respeitadas? Ou o médico gaúcho que recusou palestra em Pernambuco porque, após a grande votação de Dilma, ele não "pisaria nunca mais na vida nessa terra de m*rda". É uma opinião política. O médico tem todo o direto de recusar uma palestra, mas vai uma distância a escrever em sua rede social um julgamento preconceituoso.O amigo homofóbico do seu marido não tem um carimbo na testa escrito "Homofóbico". Não existe patrulha de pensamento. Ele se revela homofóbico na hora em que expressa, através de palavras e ações, o seu pensamento. E, no momento em que se expressa, está sujeito a críticas. Racismo é crime no Brasil; homofobia, (ainda) não. Há também uma diferença entre preconceito e discriminação. Se o tal amigo se negar a dar uma vaga de trabalho para um gay apenas por ele ser gay, isso é discriminação -- e é proibido por lei, não é uma questão de opinião. Se ele tiver um estabelecimento comercial, um bar, por exemplo, e um casal gay for jantar lá e, no meio do jantar, eles se dão um beijinho (como fazem os casais hétero), e o dono do bar se recusar a atendê-los ou expulsá-los, isso é discriminação, também proibido. Não tem essa de "o bar é meu, faço o que eu quiser". O bar está assentado num lugar chamado mundo.Homofóbico não é apenas aquele que bate com uma lâmpada na cabeça de alguém que está passando na Av. Paulista. Há várias formas de violência. Quem dá razão a esse tipo de ação também é homofóbico. E não, sua opinião não deve ser respeitada. Ninguém está obrigando seu amigo a passar o carnaval em Salvador, a ir numa parada gay, a ver na TV dois homens ou duas mulheres se beijando (vai ter que procurar muito). Uma coisa é "não gostar"; outra, bem diferente, é manifestar esse "desgosto", tão parecido com ódio. Respeito é obrigatório. Se ele estivesse numa ilha deserta sem internet e quisesse passar o dia berrando "Morte aos gays! Eu odeio vocês! Nunca mais pisarei em Salvador pra ver viado! Sou homofóbico, com orgulho!", talvez houvesse uma migração em massa dos pássaros para a ilha mais próxima, mas, de resto, ninguém daria a mínima. Como (infelizmente) ele não está numa ilha deserta, tem que se adequar à convivência de uma sociedade que deveria rejeitar o ódio (que não é maléfico apenas aos gays, mas à toda sociedade) e aceitar a diversidade.
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