"ESTOU RODEADO POR PRECONCEITUOSOS"
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"ESTOU RODEADO POR PRECONCEITUOSOS"


Para a seção de perguntas e respostas, recebi este email de um leitor. Depois do texto volto com algumas considerações.

Lola, meu nome é Augusto, tenho 17 anos, sou gay não-assumido. Desde o meio desse ano eu mudei muito, me afirmei como ateu, aceitei minha homossexualidade, passei a ler blogs feministas (e amo muito o seu). Mas tem um problema, eu não tenho coragem de me assumir assim. No meu colégio me sinto muito avançado para a minha idade. Todos que me rodeiam, homens e mulheres, expõem opiniões machistas e homofóbicas. Isso que eu estudo em um colégio aberto (antes estudei em um colégio totalmente rígido). Sempre tive amigos, as pessoas sempre gostavam de ficar perto de mim, sou um cara agradável. Mas com a mudança na minha vida passei a não gostar das pessoas. Quando qualquer um fazia uma piada machista, como não sou nem assumidamente ateu, nem gay, nem feminista, não retrucava, guardava a minha raiva e ignorava. Depois de um tempo vi que afastei todos de mim. Todos eram machistas e homofóbicos, até mesmo as meninas. Eles e elas não tinham opiniões próprias. Seguiam caras como Rafinha Bastos. Os debates na sala de aula eram unânimes, por exemplo, na invasão da USP pela polícia, todos defendiam os policiais na USP, até meus professores.
Quando passei a ignorá-los, eles começaram a falar de mim. Eu passei a descontar minha raiva em coisas bestas. Como não tinha coragem de defender meus argumentos com medo de ser julgado, passei a defender coisas torpes, como uma nota em uma prova ou uma decisão errada de um professor. Eu era irônico e sarcástico.
Até que um dia um professor me tirou de sala. Disse um montão de coisas na minha cara, que eu ficava zoando ele. Depois disso, eu rodei o colégio inteiro, defendendo o que eu acreditava, que ele agiu errado em me tirar de sala. Uma coisa boba eu fiz virar um alvoroço. Acabei discutindo novamente com ele.
Continuei levando minha vida assim. Inventava motivos pra brigar. Todos passaram a dizer que eu era rude, briguento, que eu queria tudo do meu jeito. Eles diziam: "Você é muito inteligente, por que você faz isso?" Pessoas preconceituosas falavam isso. Eu tinha vontade de falar: "Se eu sou inteligente como você diz, você deveria saber que estou fazendo a coisa certa". Internamente eu queria que eles vissem que eles todos estavam errados. Mas eles não veem isso até hoje.
Sabe, Lola, me machuca. Me machuca porque sou respeitado, e sou amado, mas é tudo uma farsa. Eu odeio todos (há poucos que se salvam), e não posso dizer isso a eles. Minha família é homofóbica, retrógrada. Eu tenho medo de perder essa estabilidade financeira. Já pensei em me matar, e não quero que esses sentimentos voltem. Odeio ver que meus problemas não têm solução. Odeio as pessoas serem tão ignorantes, pelo menos essas que me rodeiam são. E pra mim tudo é tão simples de entender, mas elas se fecham com conceitos religiosos e conservadores. E com aquelas verdades, que só são verdades pra elas.
Acabei falando demais, mas eu queria saber o que eu faço. É cruel demais mentir quem eu sou para ter essa estabilidade (esta que me mantem vivo)? Se eu realmente fosse excluir todos eles da minha vida acabaria sem ninguém. Eu acabaria excluindo todos do meu Facebook (sempre postam fotos machistas ou comentários homofóbicos que tento deixar de lado.)
Na escola briguei com meu professor nessa semana, ele foi grosseiro comigo na frente da turma e antes disso ele vivia fazendo piadas homofóbicas. Não sei como vai ser daqui para frente, minha mãe fica me cobrando ir na aula mas eu não tenho vontade de ir mais. Ela perguntou se eu queria mudar de colégio mas eu não acho que eu deveria mudar sem antes contar sobre mim (homossexualidade, ateísmo, feminismo) para ela. Não quero mudar de colégio e não resolver o problema. Eu tenho que contar, eu tenho que ser aceito e para isso eu tenho que tomar uma atitude corajosa na minha vida e enfrentar realmente os meus problemas e não escondê-los debaixo do tapete. Eu sei que esta é a coisa certa a fazer.

Minha resposta: Querido Augusto, assumir-se, ser feliz do jeito que é, ser aceito pelas pessoas próximas e pelo mundo, é a coisa certa a se fazer. Mas, sinceramente, pode não ser a coisa certa a se fazer agora. Você só tem 17 anos e mora com seus pais. Pra que falar com eles sobre a sua sexualidade neste momento? Vai chegar a hora pra isso, de preferência quando você for independente. Infelizmente, quando a gente é jovem tem que engolir muitos sapos mesmo. Talvez tenhamos que engolir sapos a vida toda, mas criamos uma casca grossa, uma proteção contra as ofensas do mundo. Você ainda está muito vulnerável.
Se sua mãe está te dando a opção de mudar de escola, mude. Mas chegue lá com outra cabeça. Nada de criar confusão à toa, como você mesmo diz que fez. Você já se deu conta que a maior parte das pessoas -- segundo você, todo mundo -- é preconceituosa. É verdade, é lamentável, e estamos lutando para mudar esse quadro. Mas vai demorar muito. Pode ser que durante a sua vida a maior parte da população ainda seja preconceituosa. Mas ficar revoltado a sua vida toda não vai ajudar em nada. É difícil, mas temos que nos desligar de vez em quando, e escolher as nossas lutas. Não dá pra enfrentar o mundo inteiro, ainda mais sozinho. Isso não quer dizer que você deve se conformar. Mas não se estresse à toa. Na sua nova escola, tente começar um núcleo de estudos de gênero, ou de crítica da mídia. Só que sem uma atitude superior de "eu sei tudo e vocês não sabem nada".
Com o tempo, você vai ir conhecendo gente que pensa como você, e verá que há um monte de pessoas que não aguentam mais os preconceitos. Até certo ponto, quando temos sorte, podemos escolher nossos relacionamentos e nossas amizades. Frequentemente nos envolvemos só com pessoas como a gente e levamos um choque de realidade ao constatar que fora da nossa bolha o mundo segue preconceituoso e cruel. Mas acho que precisamos de um refúgio. Você pode ter uma timeline no Twitter ou um grupo de amigos no Facebook que deteste CQC e afins tanto quanto você detesta. Por enquanto, por você viver numa cidade pequena, você não conhece muitas pessoas que pensem fora da caixinha. Mas vai conhecer, e a internet está aqui pra isso.
Você não precisa se assumir gay, ateu e feminista para deixar claro pras pessoas com quem convive que aquelas piadas que elas fazem te incomodam. Explique o porquê. Em vez de dizer pras pessoas que elas são preconceituosas, diga que aquilo que elas disseram foi preconceituoso. E tenha paciência para explicar pra quem quiser ouvir. Esse tipo de atitude certamente não te tornará popular, mas você tem todo o direito de se manifestar e de plantar um ponto de interrogação na cabeça dessa gente. Pode ser que as pessoas descartem seus protestos, te considerem ridículo (afinal, é "só uma piada"), mas pode ser que algumas fiquem na dúvida e reflitam e mudem de ideia. Não seja tão duro com elas. Lembre-se que somos produtos de uma época e lugar, de uma cultura, de uma ideologia dominante. Nem quer dizer que todas as pessoas preconceituosas sejam necessariamente ruins. Elas podem ser péssimas no que se refere à tolerância para a diversidade, mas podem ter lados bons (eu, como professora, jamais descarto um aluno por ele ser preconceituoso. Tento explorar os pontos de contato que temos em comum para assim, se possível, poder fazê-lo questionar suas certezas).
Boa parte das pessoas vai viver a vida toda sem nunca ter seus preconceitos contestados. Elas já têm a sua zona de conforto, já vivem nela. Cabe a nós encontrar a nossa. Quando temos uma rede de amizades que nos dá apoio, que nos proporciona bem estar, que alimenta a nossa autoestima, fica mais fácil lutar para mudar o mundo. Não se desespere -- por mais desesperador que o cenário pareça. Você é muito jovem, e tem uma vida longa pela frente pra conquistar seus (nossos) ideais. Comece já, mas vá com calma. Devagar e sempre.

P.S.: Comece assinando a PEC do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) pelo casamento civil igualitário. Nem mais, nem menos: os mesmos direitos com os mesmos nomes.




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