"NÃO ME PERDOO PELAS PESSOAS QUE ESTUPREI"
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"NÃO ME PERDOO PELAS PESSOAS QUE ESTUPREI"


T. me enviou este email:

Procuro de várias formas corrigir os erros do meu passado. Passado que não passou pra mim, na verdade. Passado esse que também temo não ter passado para as pessoas que estuprei. Sim, infelizmente foram pessoas. Minha irmã e meu primo, ambos menores que eu. Faz tempo que aprendi (com a ajuda de seu blog, obrigado) que sim, eu os estuprei. 
Tenho a consciência que sou um estuprador. Fui esse "homem de confiança". Me aproveitei deles enquanto dormiam. E esse meu ato hoje me mata. Não sei como agir. Antes de dormir, penso no que fiz. Desejo intensamente não ter machucado eles a ponto de prejudicá-los em sua vida sexual. 
A minha que nem começou verdadeiramente já está comprometida. Morro de medo de me aproveitar sexualmente de uma pessoa, em qualquer situação. Sou gay, mas romanticamente atraído por homens e mulheres. Acredito, na verdade, que gênero é uma construção totalmente social. Mas minhas crenças nesse momento não importam. 
Não procuro compreensão. Nem sei se deveria me entregar à polícia. Faz tempo o que fiz, mas imagino que tempo não seja suficiente. Acho que só busco o perdão deles. E como não tenho coragem alguma de tocar no assunto, uso este e-mail aberto pra me expressar (eles são leitores). 
M. e G., me desculpem. Só gostaria de saber que os danos que causei não foram tão profundos. 
Eu não sou a vítima. E independente de saber ou não que era estupro o que fiz, eu sabia que era errado. Nunca vai compensar, mas hoje eu tento conscientizar as pessoas dessa coisa devastadora que é o estupro. Falo sempre que posso e reforço que o estupro não é apenas aquele cometido na rua, em algum beco escuro. 
Eu também já fui estuprado por meu pai. Da mesma forma inclusive, enquanto eu dormia. Mas, de novo, não sou a vítima nesse momento. Meus atos não são justificáveis. Perdão, perdão. Perdão a todas as pessoas que já foram estupradas. Eu fui um monstro. Eu sou um monstro.

Meu comentário: Recebi este email em dezembro, e toda semana penso se devo publicá-lo ou não. Não que o T. tenha pedido que o publicasse, mas pedi sua autorização, disse que ele precisava de acompanhamento psicológico, que na minha opinião ele também é vítima, e fiz algumas perguntas. Ele respondeu:
"Fico imensamente feliz de você ter respondido meu e-mail. Te respeito e admiro tanto... É quase como uma mãe, de verdade. Agradeço pela preocupação. Eu fiquei muito tocado com o guest post do 'Homens de Confiança' e descobri que precisava tirar esse sentimento que me incomoda tanto. Eu olho pra minha irmã e penso no que fiz. Bate uma tristeza enorme. Acho que deve fazer dez anos da última vez que a estuprei. Meu primo faz menos tempo. Tudo isso me mortifica. Não consigo ter coragem de falar abertamente com eles. Pensei em tocar no assunto no geral e comentar que as pessoas mudam e que se arrependem do passado. Mas não consigo. Tenho medo de ser repreendido. Já vivo numa prisão mental, condenado por mim mesmo". 
Minha primeira dúvida em publicar este relato é que, supostamente, as vítimas de T. leem este blog. E, por mais que o blog não tenha trigger warnings (avisos de que a pessoa poderá ver algo que desencadeará memórias traumáticas), não gostaria que alguém recebesse um pedido de desculpas do homem que o estuprou através de um blog. 
A outra dúvida tem ligação com o que considero uma contradição do feminismo (e de outros movimentos sociais). Feminismos (porque há vários) são direitos humanos, certo? Tem que ser. Que reaças queiram punir a todo custo, eu entendo. São reaças. Não acreditam na reabilitação de um ser humano, e só querem excluí-lo, de preferência para sempre, de qualquer convívio. Por isso que tantos reaças são a favor da pena de morte. 
Mas, pra mim, feminista não pode ser reacionária. Não pode querer voltar a tempos passados. E nem pode ser conservadora. Tem que sonhar em mudar o mundo. E o mundo é feito de pessoas. Como mudar o mundo, sem mudar as pessoas?
Os grupos feministas organizados que vejo são todos afinados com os direitos humanos. Mas às vezes vejo pessoas feministas, sem estarem atreladas a nenhum grupo, que defendem castração química pra estuprador, que defendem redução da maioridade penal, que defendem pena de morte. Não considero essas bandeiras condizentes com o feminismo. 
Sem ir tão longe, vejo um punitivismo muito forte da parte de várixs feministas. E aqui entram as contradições. Por exemplo, antes da Lei Maria da Penha, homens que agrediam suas companheiras não eram punidos. Eram "condenados" a pagar alguma cesta básica ou fazer algum serviço comunitário e olhe lá. O que era lamentável -- deviam ser punidos. Mas só punir não reabilita muita gente. E, no caso de homens agressores, o que funciona bem são grupos de homens que conversam e tentam analisar as razões de sua violência (sempre ligadas à uma educação que ensinou que ser homem é ser violento, que o único meio de um homem resolver um conflito é através da violência, enfim, é toda a discussão sobre um modelo falido de masculinidade). 
Depois do cara ser punido e aparentemente estar reabilitado (eu acredito que algumas pessoas nunca irão se reabilitar, mas que a maioria vai), a gente perdoa? Ou a gente vai chamá-lo de espancador de mulheres pro resto da vida? É o caso do Netinho. Quando, em 2010, ele tentou ser eleito senador, as mulheres de seu partido, PCdoB, divulgaram uma nota de apoio a ele. 
Eu, que só escrevi um post cheio de dúvidas, fui xingada pelos meus inimigos usuais de defender um espancador de mulheres. Aliás, até hoje os reaças falam isso de mim. Deve ser chato pra eles que meu maior crime seja escrever um post dizendo que eu não votaria no Netinho, mas que acredito em reabilitação, e perguntando até que ponto o que uma celebridade faz é imperdoável. 
Este post aqui que estou publicando vai render acusações de que passo a mão na cabeça de estuprador (além de, óbvio, o alívio dos reaças em ver que o estupro partiu de um homem gay, que, pra eles, são todos degenerados mesmo). 
Estupradores têm mais casos de abuso sexual na infância que a população em geral (aproximadamente 30% dos agressores sexuais nos EUA sofreu abuso quando criança), mas isso não quer dizer que quem foi estuprado vai estuprar. Homens héteros são responsáveis pela vasta maioria dos estupros. Apenas 6% dos estupradores passará um dia sequer na cadeia.
Se uma das duas vítimas de T. tivesse me escrito, será que minha resposta seria diferente? Pode apostar que sim.
Leia mais em Sobre o post do estuprador arrependido.




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