#SOMOS TODAS MULHERES DE QUEIMADAS: Relato de uma feminista que acompanhou o caso do estupro coletivo
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#SOMOS TODAS MULHERES DE QUEIMADAS: Relato de uma feminista que acompanhou o caso do estupro coletivo


Nem a Paraíba, nem o Brasil. Não esqueceremos

Hoje, dois anos e meio após um crime dos mais bárbaros, será julgado o principal acusado. 
Eu e todas as mulheres (feministas ou não) que conheço, e muitos homens, ficamos horrorizadas com o que aconteceu em Queimadas, cidade paraibana de pouco mais de 40 mil habitantes. Durante uma festa de aniversário, vários homens presentes vestiram máscaras, simularam um assalto, e estupraram cinco convidadas. Duas delas reconheceram os homens e foram assassinadas. 
Sete dos dez criminosos
Na época, escrevi um post sobre o caso, "Estupros como presente de aniversário", até hoje um dos mais lidos do blog. No dia seguinte, ainda arrasada com a crueldade, escrevi outro. Porque este caso é daqueles de perder fé na humanidade, ou pelo menos em metade da humanidade. Afinal, foi premeditado. Dez homens (sete adultos e três adolescentes) participaram dos crimes. DEZ HOMENS! Nenhum parou pra pensar que opa, estuprar não está certo. E não eram estranhas. Eram conhecidas, amigas!
Graças à pressão das feministas, nove dos dez criminosos já foram julgados e condenados, com penas que variam entre 26 e 44 anos de prisão para os adultos, e de até 3 anos para os adolescentes, que depois serão reavaliados. Hoje, no 1o Tribunal do Júri em João Pessoa, às 14h, é o julgamento do principal acusado, Eduardo Santos, que foi quem teve a ideia de "presentear" o irmão com estupros. 
O texto que publico abaixo, apesar de estar em primeira pessoa em alguns momentos, não foi escrito por uma só mulher, e sim por vários movimentos feministas da Paraíba. Essas ativistas não pararam de se mexer para alcançar justiça desde que o crime aconteceu, em fevereiro de 2012. Em homenagem à luta delas e às vítimas, e em nome de todxs nós que nos chocamos com a barbaridade, vamos divulgar a tag #SomosTodasETodosMulheresDeQueimadas.
Eis o texto dessas incansáveis guerreiras:

Sentar e escrever sobre o caso de Queimadas é uma tarefa no mínimo difícil para mim. Há dois anos, recém-formada do curso de Direito e ingressante nas fileiras do movimento feminista, me deparei com um crime de tamanha barbaridade que mesmo hoje custo a acreditar.
A casa da barbárie
Em 12 de fevereiro de 2012, na cidade de Queimadas no interior paraibano, dez homens premeditaram o estupro coletivo de cinco mulheres, culminando na morte de duas delas. Estes homens se organizaram com mais de uma semana de antecedência para planejar uma festa de aniversário onde simulariam um assalto e estuprariam as mulheres presentes. Este estupro foi organizado como um “presente” do principal mentor e dono da casa onde ocorreu o sinistro, Eduardo Pereira, a seu irmão Luciano Pereira.
Uma típica cena de terror. Durante a suposta festa, alguns dos presentes saem para comprar qualquer coisa; e retornam enquanto supostos assaltantes invadem usando máscaras de monstros. Foi só colocar o planejado em prática: havia sido comprado uma variedade de instrumentos para viabilizar a tortura: cordas, “enforca-gatos” etc.
As vítimas fatais: a professora Izabella
e a secretária Michelle
Ao retornarem e simularem o assalto, os criminosos -- criminosos sim porque todos eles já foram sentenciados, resta apenas o júri do mentor -– separam as vítimas dos demais “convidados”: os maridos de duas das vítimas e as mulheres dos envolvidos nos crimes. Ligam o som alto e a barbaridade acontece. Uma das vítimas se finge de morta/desmaiada e vê sua irmã ser violentada sucessivamente e depois ser raptada para ser assassinada a quilômetros dali. Duas das mulheres -– Izabella Pajuçara e Michelle Domingos -- reconhecem os agressores, e o mentor, o suposto autor, que vai a júri hoje, decide matá-las e assim o faz.
Luciano, o aniversariante, e seu
irmão Eduardo, o mentor de tudo
E como o objetivo deste texto não é trazer detalhes do caso (e podem acreditar que existem milhares de detalhes mais bárbaros do que estes poucos que mencionei), a questão é dizer que ouvir estas histórias minuciosamente, muitas vezes ouvir das próprias vítimas ou dos agressores, não foi a pior experiência que vivi em relação a este caso. O que nunca vou esquecer, e acredito que as companheiras do movimento feminista também não, é o rosto de pavor permanente das mães de Izabella e Michelle, bem como de seus familiares.
O corpo de uma das vítimas foi
deixado ao lado da igreja
O mais aterrorizante é que ainda haja em Queimadas manifestações de violência simbólica às vítimas e suas famílias. A primeira vez que ouvi falar do crime, soube dele como se as mulheres fossem prostitutas. Elas não eram. E nem cabe aqui dizer o óbvio de que tal informação é irrelevante. Prostitutas são mulheres, e portanto sujeitos de dignidade humana. Ponto.
Contudo, esses discursos justificadores da violência permanecem. As famílias das vítimas relatam que ainda ouvem que as “meninas” mereceram isso “porque eram metidas e não davam cabimento pra cara nenhum”. Então, vejamos. Nesse caso as mulheres merecem ser estupradas por serem prostitutas ou excessivamente castas!
Simona Talma, cantora do
Rio Grande do Norte
Nós, mulheres organizadas na Paraíba, desde que iniciamos nossa atuação no caso entendemos que assumir a luta das mulheres em Queimadas é gritar para os poderes públicos e para a sociedade brasileira que a cultura de estupro e a violência contra às mulheres é um problema de todas nós. Por isso, reivindicamos pela celeridade do julgamento do caso junto à Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) que investigava a aplicação da Lei Maria da Penha no Brasil em 2012. A intervenção da CPMI foi crucial para o apuramento rápido do caso.
Dessa forma, se comparado com outros casos, o caso de Queimadas já ruma para seu desfecho: seis dos dez homens se encontram sentenciados e os três adolescentes cumprem medidas sócio-educativas, restando apenas o júri do mentor Eduardo. A condenação desses homens pelos seus atos de violência e pelo machismo não apaga a dor nos nossos corpos e vidas, mas justiça é o mínimo que podemos exigir diante dessa monstruosidade.
Ana Alice Macedo, estuprada e
morta aos 16 anos, também em
Queimadas, PB
Infelizmente, nem todos os casos tem um desfecho “rápido”. No mesmo ano de 2012, na mesma cidade de Queimadas, houve o sequestro e estupro da adolescente e agricultura Ana Alice Macedo. O júri do acusado ainda não foi marcado. 
Se, nacionalmente, a mídia não deu publicidade ao caso, o papel dos movimentos feministas foi de mostrar ao mundo o nosso repúdio. Por isso, e tendo em vista que a auto-organização das mulheres é uma das poucas saídas para o enfrentamento da violência, estamos realizando uma campanha nacional nas redes sociais ao afirmarmos que somos todas e todos mulheres de queimadas. Além disso, hoje, dia do júri, realizaremos um ato de protesto e memória na capital da Paraíba, João Pessoa.
A juíza do caso
Um caso extremo como esse que nos deparamos é um exemplo nítido que ainda é preciso reivindicar do Estado o fortalecimento da rede de enfrentamento de violência: aumento no número de delegacias especializadas e casas abrigo, formação do Poder Judiciário para o tratamento adequado desses casos, o esforço em implementar uma educação não-sexista, assim como o cumprimento da punição de estupradores e assassinos de mulheres. 
Enquanto termino esse texto corrido, vejo na sala ao lado outras companheiras fazendo cartazes para o ato. Num deles leio: “o problema das mulheres sempre foi dos homens”. Digo mais: o problema das mulheres sempre será de toda a sociedade. A condenação dos estupradores e o desfecho deste filme do mais requintado horror nos deixa o ensinamento de que estupro coletivo jamais poderá se caracterizar como presente, já que as mulheres são sujeitos históricos e políticos, que desde a Revolução Francesa nunca mais cessaram de lutar de forma organizada. 
Enquanto existir violência contra as mulheres, construiremos enquanto militantes feministas a reivindicação de direitos entre mulheres e homens. Preencheremos as fileiras da luta social, popular e feminista de forma organizada, tendo como horizonte um mundo em que seja possível a verdadeira igualdade e a solidariedade entre os sexos, com a mesma força com que desejamos uma realidade livre de desigualdade entre classes, raças e etnias. 
Por fim, pedimos a solidariedade de todas e todos nesta emocionante campanha, que vem sendo realizada por intermédio das redes sociais. A nossa tarefa é, portanto, espalhar a hashtag #Somos Todas E Todos Mulheres De Queimadas [tudo junto] aos quatro cantos deste mundo. Deste modo jamais as mulheres de Queimadas terão as suas histórias e os seus gritos de resistência silenciados. 
Não esqueceremos: os estupradores não passarão!
Enquanto uma mulher for estuprada, seremos todas mulheres de Queimadas!




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