Por Altamiro BorgesO Ministério da Saúde anunciou na tarde desta quarta-feira que 4 mil médicos cubanos chegarão ao país até o final deste ano para atuar nas cidades que não atraírem profissionais inscritos no "Mais Médicos", programa do governo federal para enfrentar os graves problemas da saúde no interior e nas periferias. Segundo informa Aline Leal Valcarenghi, da Agência Brasil, "já na próxima segunda-feira chegam 400 profissionais, que vão passar pelo mesmo processo de avaliação dos médicos com diploma estrangeiro".
A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), instância regional ligada à respeitada Organização Mundial da Saúde (OMS), intermediará o acordo com o governo cubano, inclusive na definição dos valores que serão pagos. "O Ministério passará o mesmo valor unitário e é a Opas quem vai fazer a negociação com Cuba", explicou o ministro Alexandre Padilha. Ele também ressaltou, em entrevista coletiva, que os médicos cubanos suprirão a demanda nos 701 municípios que não foram selecionados por nenhum médico na primeira edição do programa.
Padilha disse ainda que todos os médicos que virão nessa primeira etapa já participaram de outras missões internacionais e têm especialização em medicina familiar e comunitária. Mais de 84% deles têm mais de 16 anos de experiência na medicina. "De acordo com Padilha, o acordo que o governo brasileiro tem com a Opas permite que a entidade faça parceria com outros países e organizações. A pasta investirá R$ 511 milhões até fevereiro de 2014 com a vinda dos médicos cubanos... Todos os médicos com diploma estrangeiro e sem revalidação vão passar por três semanas de capacitação, com foco no funcionamento do SUS e língua portuguesa", relata a Agência Brasil.
Na primeira edição, o "Mais Médicos" selecionou 1.618 profissionais para atuar em 579 postos da rede pública em cidades do interior do país e periferias de grandes centros. Do total, 1.096 médicos têm diploma brasileiro e 522 são formados no exterior. Os participantes do programa correspondem a 10,5% dos 15.460 profissionais necessários, segundo demanda apresentada pelos municípios. Com o anúncio de hoje, o programa entra em nova fase. Já é previsível que a decisão do Ministério da Saúde despertará a ira de uma parcela dos médicos brasileiros por motivos corporativos. Além disso, setores reacionários e "calunistas" da mídia comercial destilarão veneno contra a chegada dos médicos cubanos - prevendo a inevitável comunização do Brasil.
Para propiciar um debate mais racional, menos ideologizado, reproduzo abaixo um equilibrado artigo do teólogo Frei Betto, publicado no sítio da Adital. Vale para a reflexão.
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Médicos cubanos no Brasil?
Por Frei Betto, no sítio da Adital:
O Conselho Federal de Medicina (CFM) está indignado frente ao anúncio da presidente Dilma de que o governo trará 6.000 médicos de Cuba, e outros tantos de Portugal e Espanha, para atuarem em municípios carentes de profissionais da saúde. Por que aqui a grita se restringe aos médicos cubanos? Detalhe: 40% dos médicos do Reino Unido são estrangeiros.
Também em Portugal e Espanha há, como em qualquer país, médicos de nível técnico sofrível. A Espanha dispõe do 7º melhor sistema de saúde do mundo, e Portugal, o 12º. Em terras lusitanas, 10% dos médicos são estrangeiros, inclusive cubanos, importados desde 2009. Submetidos a exames, a maioria obteve aprovação, o que levou o governo português a renovar a parceria em 2012.
Ninguém é contra o CFM submeter médicos cubanos a exames (Revalida), como deve ocorrer com os brasileiros, muitos formados por faculdades particulares que funcionam como verdadeiras máquinas de caça-níqueis.
O CFM reclama da suposta validação automática dos diplomas dos médicos cubanos. Em nenhum momento isso foi defendido pelo governo. O ministro Padilha, da Saúde, deixou claro que pretende seguir critérios de qualidade e responsabilidade profissionais.
A opinião do CFM importa menos que a dos habitantes do interior e das periferias de nosso país que tanto necessitam de cuidados médicos. Estudos do próprio CFM, em parceria com o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, sobre a "demografia médica no Brasil”, demonstram que, em 2011, o Brasil dispunha de 1,8 médico para cada 1.000 habitantes.
Temos de esperar até 2021 para que o índice chegue a 2,5/1.000. Segundo projeções, só em 2050 teremos 4,3/1.000. Hoje, Cuba dispõe de 6,4 médicos por cada 1.000 habitantes. Em 2005, a Argentina contava com mais de 3/1.000, índice que o Brasil só alcançará em 2031.
Dos 372 mil médicos registrados no Brasil em 2011, 209 mil se concentravam nas regiões Sul e Sudeste, e pouco mais de 15 mil na região Norte.
O governo federal se empenha em melhorar essa distribuição de profissionais da saúde através do Provab (Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica), oferecendo salário inicial de R$ 8 mil e pontos de progressão na carreira, para incentivá-los a prestar serviços de atenção primária à população de 1.407 municípios brasileiros. Mais de 4 mil médicos já aderiram.
O senador Cristovam Buarque propõe que médicos formados em universidades públicas, pagas com o seu, o meu, o nosso dinheiro, trabalhem dois anos em áreas carentes para que seus registros profissionais sejam reconhecidos.
Se a medicina cubana é de má qualidade, como se explica a saúde daquela população apresentar, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), índices bem melhores que os do Brasil e comparáveis aos dos EUA?
O Brasil, antes de reclamar de medidas que beneficiam a população mais pobre, deveria se olhar no espelho. No ranking da OMS (dados de 2011), o melhor sistema de saúde do mundo é o da França. Os EUA ocupam o 37º lugar. Cuba, o 39º. O Brasil, o 125º lugar!
Se não chegam médicos cubanos, o que dizer à população desassistida de nossas periferias e do interior? Que suporte as dores? Que morra de enfermidades facilmente tratáveis? Que peça a Deus o milagre da cura?
Cuba, especialista em medicina preventiva, exporta médicos para 70 países. Graças a essa solidariedade, a população do Haiti teve amenizado o sofrimento causado pelo terremoto de 2010. Enquanto o Brasil enviou tropas, Cuba remeteu médicos treinados para atuar em condições precárias e situações de emergência.
Médico cubano não virá para o Brasil para emitir laudos de ressonância magnética ou atuar em medicina nuclear. Virá tratar de verminose e malária, diarreia e desidratação, reduzindo as mortalidades infantil e materna, aplicando vacinas, ensinando medidas preventivas, como cuidados de higiene.
O prestigioso New England Journal of Medicine, na edição de 24 de janeiro deste ano, elogiou a medicina cubana, que alcança as maiores taxas de vacinação do mundo, "porque o sistema não foi projetado para a escolha do consumidor ou iniciativas individuais”. Em outras palavras, não é o mercado que manda, é o direito do cidadão.
Por que o CFM nunca reclamou do excelente serviço prestado no Brasil pela Pastoral da Criança, embora ela disponha de poucos recursos e improvise a formação de mães que atendem à infância? A resposta é simples: é bom para uma medicina cada vez mais mercantilizada, voltada mais ao lucro que à saúde, contar com o trabalho altruísta da Pastoral da Criança. O temor é encarar a competência de médicos estrangeiros.
Quem dera que, um dia, o Brasil possa expor em suas cidades este outdoor que vi nas ruas de Havana: "A cada ano, 80 mil crianças do mundo morrem de doenças facilmente tratáveis. Nenhuma delas é cubana”.
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