A BELEZA DAS OLIMPÍADAS NÃO TEM QUE SER UMA SÓ
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A BELEZA DAS OLIMPÍADAS NÃO TEM QUE SER UMA SÓ


Loiras de minissaia: o sonho molhado de boa parte da mídia

Adoro Olimpíadas (estou me sentindo órfã agora que acabou), e praticamente não escrevi sobre elas. Mas vi muita coisa pela internet, e é estarrecedor como uma observação intensiva pode nos fazer ver o modo como nossos valores e gostos são moldados pelo meio em que vivemos. Primeiro quero falar sobre a cobertura machista da mídia, e depois -– porque preconceitos sempre caminham juntos –- como o padrão é racista e excludente.
Nas Olimpíadas de Londres, pela primeira vez na história, todas as delegações levaram atletas mulheres (inclusive as dos países árabes, alguns dos quais não permitem sequer que meninas façam Educação Física nas escolas, caso da Arábia Saudita). Sem entrar na seara do patrocínio (compare quanto é investido no futebol masculino e no feminino), o número geral de atletas homens e mulheres nunca esteve tão próximo dos 50%. A maior parte das modalidades esportivas é igual para os dois sexos (excetuando algumas, como ginástica artística, que não explica porque os exercícos de solo no masculino não são acompanhados de música). 
E, no entanto, apesar dessas muitas igualdades de condições nas Olimpíadas, a mídia faz questão de ditar que esporte é algo masculino. As atletas mulheres são avaliadas não pela sua competência, mas por sua beleza. Ok, costumam fazer isso não só com as atletas, mas com qualquer mulher (de presidenta à pedreira). Só que nas Olimpíadas isso é repetido diariamente, o tempo todo. Pense em quantas vezes você ouviu a palavra musa nessas últimas duas semanas. Não temos a modalidade esportiva masculina pra muso ou beldade ou deus. Isso nos diz muito sobre quem seleciona imagens e pra quem elas são selecionadas.
Exemplos não faltam. A NBC, que detém os direitos de transmissão das Olimpíadas nos EUA, fez um vídeo com atletas mulheres. Com música que não tem nada a ver com esportes, imagens em câmera lenta focando em algumas partes do corpo, o vídeo gerou vários protestos e já foi retirado. NBC produziu também o Atletas em Movimento, vídeo feito com os homens. Repare na diferença de tratamento: homens são atletas, seres completos; mulheres são corpos.
Em nenhum esporte a objetificação fica tão evidente quanto no vôlei de praia. Perdão, vôlei de praia feminino. No masculino é bem diferente, a começar pelo uniforme. Se as atletas mulheres têm que usar aqueles biquínis que não são muito confortáveis (e uniformes são uma imposição), por que os jogadores não usam sungas? Não que objetificar os homens resolvesse o problema, mas pelo menos tornaria a situação menos ridícula (e ridículo mesmo é um locutor esportivo dizer que a dupla brasileira perdeu uma semifinal porque não estava trajada adequadamente. Adequadamente pros olhos dele, não pro clima ou pro conforto delas).

Um jornal decidiu fazer uma provocação com uma série de fotos: e se todo esporte olímpico fosse fotografado como vôlei de praia feminino? Teríamos closes de bundas, pênis, coxas e peitos? Esses exercícios são ótimos para chamar a atenção pra diferença de tratamento. Mas nem que os flashes espocam nos genitais masculinos seria a mesma coisa, porque esbarra-se na questão dos uniformes, sempre mais comedidos e menos colantes pros homens.
Porém, não existe a cobrança para que os atletas homens sejam bonitos ou estejam dentro do padrão de beleza. Para as atletas mulheres, é só lembrar como a foto de uma levantadora de peso correu o mundo porque -– pecado mortal! –- ela não era adepta de depilar as axilas. É uma afronta! Aquela moça provavelmente achou que tinha ido pra Londres pra levantar peso, e não pra fazer parte de um concurso de beleza. O que ela estava pensando?! Ou, pior ainda, vai ver que ela pensa que axilas não depiladas são bonitas! Como pode?
Isso imediatamente lançou dúvidas sobre sua femininidade (e, óbvio, sobre sua higiene, porque, como sabemos, "não é uma questão estética, mas de higiene/saúde!"). E, sei que estou fugindo do assunto, mas mais uma vez ficou provado como todo atleta deve evitar falar sobre sua sexualidade pra imprensa. É uma cilada, Bino! Isso é tudo que a mídia vai tratar da pessoa em todas as matérias. A pobre atleta americana que revelou ser virgem aos 30 anos foi rapidamente apelidada de “atleta virgem”. Alguém soube que a goleira brasileira de handebol é bissexual... e isso é tudo que importou pelos próximos 300 textos sobre handebol nas Olimpíadas.
Mas, voltando à questão da aparência, nenhum exemplo é mais eloquente que o da ginasta americana Gabby Douglas. Gabby foi o grande destaque da ginástica olímpica. Ela não só ganhou o título individual como ajudou a equipe americana a conquistar a medalha de ouro. E ela é uma raridade -– é negra. Era a única atleta negra nas finais da ginástica (e isso é algo a ser louvado na equipe americana, que é a mais multirracial que há). Bem, falou-se menos da incrível façanha de Gabby que do seu cabelo. Sim, é difícil acreditar, mas o cabelo da atleta foi criticado. Sabe, porque ela é negra, e todo cabelo de negra é ruim e deve ser domado alisado.
Mas quem determina que cabelo crespo não é aceitável? Ora, a mesma sociedade que produz galerias de fotos como esta do Terra (não sei se ainda está disponível): “Mulheres encantam Londres com beleza e talento”. Das 117 fotos, havia duas com uma atleta negra (a mesma nas duas fotos, Serena Williams). Nenhuma asiática. Nenhuma africana. Por que não escrever um título mais verdadeiro, que seria “Mulheres brancas encantam Londres”? Por que ficaria um tantinho racista?
Alguns dias depois o Terra atualizou seu "colírio" e apresentou uma galeria com 185 fotos (as 117 de antes com mais novidades). E aí alguém deve ter falado pra eles que parece que eles têm fixação por loiras. Eles, democráticos que são, deixaram de lado seu “gosto pessoal” -– que coincidentemente é o mesmo padrão da sociedade -– e fizeram o esforço hérculeo de incluir outras etnias. Agora sim havia representantes de todos os lugares. Das 185 fotos, havia nove fotos de negras, e três de asiáticas. Isso dá o quê, 5%? Não tá tão bom quanto a porcentagem de mulheres no congresso brasileiro, mas ei, aquele número é altíssimo (13%).
Naquela mesma tarde, o Terra publicou um “Confira os atletas que levam torcedoras à loucura em Londres”. Justo, mas aí não eram 117 fotos, que parece que não existe muito homem bonito nas Olimpíadas. Eram 38. Quatro foram de negros, mas não de negros africanos. E sabe quantos atletas asiáticos encantam torcedoras? Zero. 
Dá pra analisar um tiquinho o discurso das chamadas. Quando é foto de mulher, o título diz “mulheres” ("Mulheres encantam Londres com beleza e talento"). Quando é foto de homem, muito menos objetificadoras, o título diz “atletas” ("Confira os atletas que levam torcedoras à loucura"). E fica claro que esses atletas encantam “torcedoras”, não algo muito mais genérico como “Londres”. Porque, quando é mulher que encanta, não precisa dizer quem elas estão encantando. Fica subentendido que encantam os homens, o padrão. Quando é homem que encanta, vamos por os pingos nos is: encantam vocês, torcedoras histéricas (“levam à loucura”), não nós que somos muito macho e não achamos homem bonito.
Pra fugir dessa visão, só galerias de fotos feitas por gente comum, não portais de notícias. Este tumblr escolheu os musos das Olimpíadas. Inúmeras fotos de moços lindos. O número de negros e asiáticos? É fácil contar nos dedos. E não sei por que me surpreendo. Em toda e qualquer escolha de pessoas bonitas, nosso olhar eurocêntrico só capta a beleza das pessoas brancas.
Durante as Olimpíadas, uma leitora, a Bruna, relatou uma conversa que teve com um amigo. O sujeito disse: “Fulana é negra, mas é muito bonita”. Bruna o repreendeu na hora: “Como assim? Então ser negra é sinônimo de ser feia? Está implícito?” E ele respondeu: “Não, é só uma questão de gosto”. Ela disse que sentia por ele, mas que isso era racismo mesmo, e se chateou por ver uma pessoa que ela gosta pensar dessa forma.
É muita teimosia, muita falta de visão crítica, justificar nossas preferências como “gosto pessoal”. Não tem nada de pessoal aí. Somos indivíduos dentro de uma sociedade que deixa claríssimo quem é ou não bonito, quem é ou não competente. Desde bebês aprendemos como meninas e meninos devem se vestir, se comportar, falar, se posicionar. Aprendemos inclusive o que se pode ou não comer. E, junto com todas essas lições, somos ensinados também que esse nosso “gosto” é universal –- é idêntico em todas as épocas e lugares -–, e natural –- nascemos assim, não há nada que possamos fazer, sempre foi e sempre será dessa forma.
Tudo mentira. Por que somos incapazes de reconhecer que nossos gostos pessoais são construções sociais? Nos sentiremos menos autônomos, menos independentes, se assumirmos que somos moldados pelo tempo e lugar em que vivemos? E por que não querer entender que tratar mulheres como nacos de carne num açougue é machismo? Que é uma questão ideológica lembrar as mulheres que o que elas fazem não é importante, o importante é sua aparência? Por que excluir violentamente qualquer um que não for branco do padrão de beleza? Como isso é racismo? (me diga você). A quem interessa essa invisibilidade forçada?
Se você quiser mesmo ser diferente, e não uma réplica exata do senso comum, você vai ter que pensar um pouco. Terá que recondicionar seu olhar e treinar ver beleza em outras raças, idades, tipos físicos, gêneros, orientações sexuais, que não o padrão único. Não é fácil. Exige pensar fora da caixa, mas tente. Seu mundo vai ficar muito mais belo. E não só a cada quatro anos, mas o tempo todo. Depois me convença de que isso é ruim.




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