O QUE A GENTE FAZ COM O PRECONCEITO ENRUSTIDO?
Geral

O QUE A GENTE FAZ COM O PRECONCEITO ENRUSTIDO?


O G. perguntou:

"Estava discutindo racismo, homofobia e outros preconceitos com um amigo meu e chegamos à conclusão de que somos ambos meio racistas e homofóbicos (e ambos somos gays, o que piora). O problema é: nós sabemos todo o discurso politicamente-correto- anti-preconceito e acreditamos sinceramente nele, até discutimos com outras pessoas quando vemos demonstrações públicas de preconceito, mas não conseguimos nos desprender do preconceito... enrustido.
Eu, por exemplo, fico extremamente incomodado quando algum gay muito efeminado fica perto de mim. Acho feio, ridículo, me dá nojo. E sei que estou completamente errado em pensar isso, nunca trataria a pessoa de maneira diferente, mas continuo pensando...
Outro exemplo, agora de racismo: não consigo achar negros bonitos, nenhum mesmo. Mulheres, até consigo. Achava que era uma questão de gosto pessoal, mas, lendo seu blog, percebi que é racismo.
E, por último, preconceito estético. Percebi que trato pessoas que considero mais bonitas exponencialmente melhor do que pessoas que eu considero feias, mesmo que eu não tenha interesse sexual na pessoa.
Enfim, queria saber o que fazer pra tentar acabar com esse preconceito interno."

Minha resposta: Querido G., só de você questionar todo esse discurso naturalizado já mostra que você quer mudar, que você não quer mais perpetuar preconceitos. Porque, por mais que esses preconceitos todos fiquem na sua cabeça, e que você não destrate pessoas, volta e meia eles aparecem. E não são bonitos. E nos deixam muito mal na fita.
Vivemos numa sociedade racista, homofóbica, machista, gordofóbica, e cheia de tantos outros preconceitos. Isso afeta a vida de todos. Aliás, afeta não: atrasa. É péssimo pra sociedade ser preconceituosa. Mas é, por mais que a gente lute contra isso. E nós não viemos de Vênus ou Marte anteontem. Somos cria dessa sociedade preconceituosa. E ninguém nunca disse que é fácil se livrar dos preconceitos. Pra muita gente, é uma luta diária. Mas é uma luta que vale a pena. 
Antes de continuar, uma boa notícia: pelo menos do mal do racismo você não sofre mais. Você deve ter visto que a Veja decretou que, graças à campanha "Somos Todos Macacos", acabou-se o racismo -- talvez para sempre. Celebrate! Agora sim negros deixarão de ser chamados de macacos (Danilo Gentili já se comprometeu?). E isso de 70% dos miseráveis no Brasil serem negros? Coisa do passado! E isso do porcentual de negros assassinados no país ser 132% maior do que o de brancos? Acabou também! E adeus a essa injustiça de um homem branco ganhar 172% a mais que uma mulher negra!
Antes, quando existia racismo, nós todos estávamos expostos a uma mídia racista, que propagandeava que só um tipo físico poderia ser considerado belo. Nem faz tanto tempo assim! Nas Olimpíadas de Londres, em 2012, vários portais de notícias fizeram listas das mais lindas esportistas. O Terra, por exemplo, escolheu 117 fotos. Só duas delas tinham uma atleta negra. Quando a gente via seleções e mais seleções de mulheres bonitas, e quase todas eram brancas, e aí a gente via seleções de homens mais feios, e quase todos eram negros, bom, suponho que isso influenciava o nosso "gosto pessoal" de alguma forma, né? Se afetava até as crianças negras...
Alguns podem argumentar que, mesmo antes do fim do racismo, a revista People havia eleito Lupita Nyong'o a mulher mais linda do mundo, num sinal inequívoco de que o racismo já estava mesmo com os dias contados. Mas, não sei se você lembra, a repercussão que teve essa eleição foi imensa. Nunca vi um resultado ser tão disputado! Hoje, claro, isso seria diferente. 
Ok, ok, chega de tanto sarcasmo! Agora falando sério. A gente sabe que há um grande preconceito entre os próprios homens gays contra gays mais "afeminados". Por que você acha que isso acontece? Você deve saber melhor do que eu! Mas acho que, de modo geral, há maior aceitação e tolerância no mundo LGBT que no mundo hétero. Tem muito gay que gosta de "afeminados", assim como tem gay que gosta de "urso", e por aí vai.
Acho que existe "gosto pessoal", mas que esse gosto é muito menos pessoal do que gostaríamos de acreditar. Ele é moldado e influenciado pelos gostos da sociedade. Por isso, não são universais. Esses gostos mudam de lugar pra lugar, de época pra época. A galera mais conectada com a eugenia adora trazer cálculos matemáticos pra "provar" que a beleza é uma só. Mas não é. 
Felizmente, existe muita diversidade no mundo. E existe muita gente que gosta dessa diversidade. Você já deve ter passado pelo momento esquisito em que aquele carinha que você acha lindo não é considerado lindo por um amigo. Ou que o carinha que você acha feinho é visto como lindo por outras pessoas. Não somos caixinhas. Não é tão fácil assim nos moldar.
Pense no Dustin Hoffman. Lembra do que ele falou sobre se arrepender por ter tratado mal, ou ignorado, mulheres fora do padrão de beleza? Disse ele: "Há muitas mulheres interessantes que não tive a experiência de conhecer nessa vida porque sofri lavagem cerebral". Acho que não resta muita dúvida que, quando limitamos nossos gostos, saímos perdendo. 
Acho que é possível treinar nosso olhar pra beleza. Fomos condicionadxs a achar isso bonito e aquilo feio, mas podemos desaprender. Podemos aprender de novo. Devemos questionar tudo, inclusive porque só consideramos bonitas pessoas de um determinado tipo físico, de uma determinada idade. Porque quem disse que rugas, sei lá, não têm sua beleza? E precisamos nos lembrar sempre que temos mais de um sentido, não só o visual. Usamos todos?
Eu gosto muito de Beleza Americana, o filme, de como o rapaz esquisitão acha linda a imagem de uma sacola de plástico sendo levada pelo vento. Não é algo que nós normalmente acharíamos bonito, mas... por que não? Por que não pode ser? 
No monólogo final do filme, o protagonista diz: "É difícil ficar zangado quando há tanta beleza no mundo". E eu acredito muito. Primeiro, de que não precisamos ficar zangados sempre. Segundo, que há tanta beleza no mundo. Porque há. A gente só precisa olhar com outros olhos, sentir com outros sentidos.




- "como Posso Ter Uma Pessoa Racista Do Meu Lado?"
A T. me enviou esta dúvida: "Eu e meu namorado estávamos assistindo uma matéria do Globo Repórter que falava como ganhar um bom dinheiro de forma alternativa no verão,  e em um determinado momento a matéria contava que um rapaz negro fazia...

- A Beleza Das OlimpÍadas NÃo Tem Que Ser Uma SÓ
Loiras de minissaia: o sonho molhado de boa parte da mídia Adoro Olimpíadas (estou me sentindo órfã agora que acabou), e praticamente não escrevi sobre elas. Mas vi muita coisa pela internet, e é estarrecedor como uma observação intensiva pode...

- Quem É Feio, Quem É Bela
Somália, jogador de futebol brasileiro. Vc acha que ele está na lista dos belos ou feios? Há várias listas das musas do Pan de Guadalajara, como acontece sempre em qualquer esporte feminino. A mídia dá um enfoque na beleza e sexualidade das atletas,...

- Algumas ContradiÇÕes Dos NÃo-racistas
Esse pessoal que jura de pé junto que não existe racismo no Brasil se contradiz demais. Não tem noção do ridículo. Primeiro, insiste que não há nada de racismo por aqui, só uma ligeira desigualdade socioeconômica. Mais pra frente, acaba dizendo...

- O Complexo De Inferioridade Dos 'superiores'
Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena: Se tem uma coisa que eu não entendo na gritaria contra as cotas e os direitos LGBTs e femininos é um mal disfarçado complexo de inferioridade embutido nela. Volta e meia leio comentários do tipo: “os...



Geral








.