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A catedral da Câmara Municipal de Lisboa
Sob a manchete «Niemeyer vai desenhar nova catedral de Lisboa» na 1ª página do semanário "Expresso" de sábado passado, a peça jornalística começa assim: «Pedro Santana Lopes vai convidar o arquitecto brasileiro Óscar Niemeyer para projectar a nova catedral de Lisboa».
Esfreguei os olhos de incredulidade. Como? Num Estado constitucionalmente laico é o presidente de um município que se encarrega de contratar o arquitecto de um templo? Depois, lá mais para o interior do artigo, sempre se diz que a decisão cabe, como não podia deixar de ser, ao patriarcado de Lisboa, que é o "dono da obra". Afinal a revelação inicial sobre o convite não passa talvez de uma operação de propaganda pessoal do presidente da CML, com a prestimosa cooperação do "Expresso".
Mas, bem vistas as coisas, a questão não é tão inocente como isso. A simples admissão, sem escândalo público, de que o Estado ou os municípios possam assumir responsabilidades na construção de uma catedral (ou templo de qualquer religião) testemunha a degradação do respeito pelo princípio da separação entre o Estado e as igrejas no nosso país. De facto, os templos e demais edifícios religiosos devem ser um assunto das respectivas igrejas. Não compete ao Estado nem aos municípios nenhum papel nesse âmbito, salvo as comuns funções municipais em matéria urbanística. Não se imiscua portanto o presidente da CML em assunto estranho às atribuições municipais.
Já bastam as violações correntes do princípio da separação (exibição oficial de símbolos religiosos nas escolas públicas, cerimónias religiosas encomendados por organismos oficiais, ensino religioso a cargo e a expensas do Estado, lugar protocolar especial dos dignitários da Igreja Católica, etc., etc.). Só nos faltava que os poderes públicos se encarregassem de construir igrejas. A poucos anos do centenário da implantação da República, corremos o risco de o celebrar sobre os escombros de uma das suas mais eminentes conquistas civilizacionais.
Vital Moreira
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