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A concessão do Maracanã - MARCELO MITERHOF
FOLHA DE SP - 08/08
O cancelamento dos investimentos mudou muito as condições da concessão; o melhor é encerrá-la
Na sexta-feira passada, o governo do Estado do Rio anunciou a suspensão da demolição do Estádio de Atletismo Célio de Barros. O mesmo já havia sido decidido quanto ao Parque Aquático Júlio Delamare. Esses equipamentos fazem parte do complexo do Maracanã, há alguns meses concedido à iniciativa privada.
Manifestações do Iphan, do Ministério Público, de entidades esportivas e da população motivaram a decisão.
Assim, foram suspensos os investimentos de R$ 594,16 milhões que deveriam ser realizados pelo consórcio que ganhou a licitação de concessão do Maracanã.
Tais investimentos se referiam, entre outras coisas, à realocação dos equipamentos esportivos e à construção nos seus lugares de estacionamentos e de centros comerciais, que seriam explorados pela concessionária.
Como é costume em concessões, há a previsão de que atos unilaterais do poder concedente devam levar um reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. O objetivo é fazer um balanço dos impactos gerados nos fluxos esperados (descontados no tempo, a uma taxa de juros acordada) de receitas e custos do projeto, de maneira a estabelecer compensações para as perdas estimadas.
Numa rodovia, se o poder concedente exige a antecipação de duplicação de pistas ou a construção de mais passarelas, a concessionária deve ser compensada, por exemplo, pela extensão do prazo da concessão ou pelo aumento do pedágio.
Contudo, no caso do Maracanã, houve redução das despesas previstas. Se os investimentos forem suspensos sem afetar o valor da outorga, o Estado do Rio terá prejuízo, pois grande parte de seu benefício seria receber de volta ao fim da concessão o estádio com as obras realizadas.
Pela concessão de 35 anos, o consórcio deve pagar ao Rio R$ 181,5 milhões em 33 parcelas anuais de R$ 5,5 milhões, corrigidas pelo IPCA. Portanto, a outorga (o preço da concessão) corresponde a menos de um terço dos quase R$ 600 milhões das obras canceladas, tomando só os valores correntes. Esses investimentos também representam parcela significativa do dispêndio público no estádio, de cerca de R$ 1,2 bilhão.
Não à toa, a cláusula 14 do contrato de concessão prevê que, se o projeto executivo de engenharia indicar custos menores para as obras, a diferença será revertida em aumento da outorga. Tal cláusula não é diretamente aplicável, pois os investimentos nem sequer serão realizados. Ainda assim, fica clara a relação existente entre o dispêndio nas obras e o valor a ser pago pela concessão.
Porém, os investimentos cancelados não podem ser simplesmente adicionados à outorga, pois isso prejudicaria o consórcio, que manteria a despesa sem ter a contrapartida de receitas que os investimentos proporcionariam.
A solução ao reequilibrar o contrato seria reverter parte dos R$ 600 milhões para a outorga, descontando as receitas líquidas esperadas com a exploração de lojas e estacionamento. Todavia, isso teria que ser estabelecido em acordo celebrado fora de ambiente competitivo, o que favorece a superestimação pelo consórcio das expectativas de receita.
Isso é particularmente problemático porque a incapacidade de arcar com os investimentos previstos foi a principal razão para excluir os clubes de futebol da licitação. Sem a necessidade de investir, a participação dos clubes aumentaria a competição e provavelmente o valor da outorga. Afinal, eles têm grande interesse nesse tipo de concessão, incluindo um alto potencial para alavancá-la a partir de sua própria atividade.
Não se trata de defender que o poder público beneficie o futebol profissional. Pelo contrário, a perspectiva de participar da concorrência pelo Maracanã pode ser um jeito de forçar os clubes a ficar em dia com suas obrigações fiscais.
A situação não é simples: o contrato de concessão já foi assinado, a concessionária contratou pessoas, assinou outros contratos comerciais e a mudança foi tomada pelo poder concedente.
Talvez o governo estadual esteja, sem alarde, negociando as condições para o fim da concessão. O acordo é, a princípio, um melhor caminho. Mas existem meios para fazê-lo unilateralmente, ressarcindo ao consórcio os custos incorridos.
O cancelamento dos investimentos mudou demais as condições da concessão do Maracanã logo em seu início. O melhor é encerrá-la.
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