A covardia de cada um
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A covardia de cada um



O filme O leitor, prêmio de melhor atriz para Kate Winslet, baseia-se no livro de mesmo nome, que alude a um fato que aqueles que se debruçaram sobre o Tribunal de Nuremberg conhecem de sobra: até onde você é livre para contestar uma ordem que considera imoral? Eu mesmo refiro-me ao tema em livro recente, assunto que tomo a liberdade de resumir para poder voltar ao filme.

O chamado Eixo, composto de Alemanha, Itália e Japão, avançavam sobre países vizinhos, numa típica guerra de conquista, ao mesmo tempo em que os alemães promoviam um pavoroso programa de ?aprimoramento da raça ariana?. A certa altura, o Japão resolveu bombardear território norte-americano. Uma série de investidas contra Pearl Harbor causou danos de monta aos norte-americanos, que tiveram o motivo que lhes faltava para entrar na guerra e botar os pés na Europa, de onde nunca mais sairiam. Até hoje historiadores perguntam o que pretenderiam os japoneses provocando quem estava quieto do outro lado do mundo. E também se perguntam como o governo norte-americano não detectou esse possível ataque. Muitos e muitos anos depois historiadores indagariam como o serviço de contra-espionagem norte-americano também não detectou o ataque terrorista às torres gêmeas de Nova Iorque, mas isso é outra história.

O fato é que, a pretexto de convencer os adversários de que a guerra estava perdida para eles, os norte-americanos despejaram bombas atômicas sobre Nagasaki e Hiroshima. Considerando que o líder adversário era alemão, porque lançar aquelas bombas sobre cidades japonesas? Havia, de fato, motivo para isso ou aquilo foi um simples ato de vingança pelas mortes ocorridas em Pearl Harbor? Cartas à redação.

Encerrada a guerra, criou-se um Tribunal para julgar eventuais crimes de guerra. O despejo aparentemente desnecessário das bombas atômicas constituíram, em tese, crimes de guerra, mas apenas os dirigentes nazistas foram submetidos a julgamento pelos crimes que também teriam cometido contra homossexuais, ciganos, negros, aleijados e judeus. O que impressionou os observadores neutros, que assistiram aos julgamentos, foi o fato de muitos desses réus serem pessoas normais, com família bem constituída, que se limitaram a cumprir as leis alemãs.

Veja-se o contraste: é difícil imaginar que algum alemão continuasse vivo se, por questão de consciência, se recusasse a cumprir as ordens que lhe eram dadas por uma autoridade nazista. O mesmo não se pode dizer dos pilotos que despejaram as bombas atômicas. Aqueles foram condenados; estes nem foram processados.

Anos depois, os norte-americanos despejaram bombas de napalm sobre número incontável de vietnamitas. Quem viu a famosíssima foto da menina Phan Kim Phuc jamais se esqueceu disso. O massacre de My Lai produziu quantos condenados? A quais penas? Muitos norte-americanos, como Muhammad Ali, recusaram-se a lutar naquela guerra. E estão vivos até hoje. Preciso dizer mais?

O Exército de Israel também utilizou bombas proibidas contra seus vizinhos.

E daí?

Pois no livro e no filme referidos acima discute-se exatamente isso: aquela jovem alemã poderia recusar-se a fazer o que lhe havia sido determinado por seus superiores? E aquele jovem estudante de Direito tinha o direito de silenciar o que sabia, para não se indispor com os demais membros de sua comunidade?

Faço uma última pergunta: se você fosse aquela moça ou aquele jovem, você teria agido diferentemente?





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