A crise da indústria no Brasil
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A crise da indústria no Brasil


Por Wladimir Pomar, no site Correio da Cidadania:

Das questões colocadas para o desenvolvimento brasileiro, a industrial não tem tido o destaque que merece. Embora inúmeros economistas considerem que o processo industrial seja aquele que melhor pode deslindar os principais aspectos do desenvolvimento econômico, isso não tem se transformado em propostas ou políticas efetivas para solucionar a atual inércia desindustrializante do país.

Essa dificuldade é agravada, em certa medida, pelas interpretações a respeito das origens históricas e do papel da revolução industrial e, portanto, da própria indústria. Alguns supõem que, para que tal revolução ocorresse, teria sido necessária a existência de Estados nacionais absolutistas. Esses Estados teriam transferido o excedente econômico do Novo Mundo, a principal fonte de acumulação primitiva, para financiar a acumulação de capital nos países centrais.

Outros, porém, acreditam haver sido mais importante o lento processo de construção institucional de uma economia de livre mercado para permitir a realização da revolução industrial. Esta teria sido decorrência daquela construção institucional. Na prática, tanto esta quanto a interpretação anterior supõem que as mudanças na superestrutura (Estados nacionais e construção institucional) seriam a origem das revoluções técnicas e econômicas da sociedade.

Prática e historicamente, a revolução industrial ocorreu apenas em um Estado nacional absolutista. Na Inglaterra, a acumulação primitiva de capital, proporcionada pelos saques das riquezas, tanto do Novo Mundo quanto da África, Ásia e Oceania, ganhou uma nova qualidade ao se combinar com uma enorme massa humana livre. Livre, tanto no sentido de que não era escrava ou serva, quanto no sentido de que fora expropriada de seus meios de produção pela revolução agrícola e agrária inglesa.

Foi a junção desses dois elementos básicos (capital + força de trabalho livre) que permitiu a criação das manufaturas e a criação de um novo mercado, diferente do até então existente. As manufaturas propiciaram que as demandas sociais e os avanços técnicos levassem à revolução industrial. Esta teve por base inicial o invento e a operação de máquinas de tecidos, da máquina a vapor e das transmissões mecânicas por correias.

A revolução industrial se expressou, assim, tanto na construção de máquinas quanto na massificação da produção. Neste caso, subordinando a demanda à produção industrial e subvertendo e mercado. A indústria se impôs, passo a passo e em luta constante contra os feudais e os Estados absolutistas que os representavam. E levou à constituição de novos tipos de Estado e à construção institucional do livre mercado. A revolução na base da sociedade revolucionou sua superestrutura.

O livre mercado e os Estados nacionais formalmente democráticos foram se expandindo à medida que a revolução industrial se desenvolveu, criando novas máquinas, novas organizações produtivas, novos produtos e novos segmentos de mercado. A indústria, ou a transformação em escala de matérias primas fornecidas pela natureza em materiais e bens que a natureza não é capaz de transformar por si mesmo, se mostrou muito mais capaz de criar riqueza do que a agricultura, o artesanato e a manufatura.

Ou seja, também tendo por base o trabalho humano, a indústria se mostrou muito superior àqueles três ramos produtivos na extração do valor proporcionado pela força de trabalho no processo produtivo. É essa capacidade de extrair alto valor da força de trabalho no processo produtivo que também tornou a indústria superior ao comércio e aos serviços, mesmo que estes estejam relacionados com a circulação e a distribuição de mercadorias industriais. Na verdade, o comércio e os serviços não geram valor próprio, ou o geram em pequena proporção. Seus lucros fazem parte da divisão da massa total de valor produzida pelas forças de trabalho empregadas na indústria, agricultura, artesanato e manufatura.

Por outro lado, o desenvolvimento da indústria impôs à produção e ao mercado uma complexidade e uma desordem desconhecida dos modos de produção anteriores. A concorrência introduziu uma permanente guerra de preços e a necessidade de revolucionar constantemente as máquinas e a produtividade. Estas, por sua vez, elevaram a capacidade de produzir muito acima da capacidade de consumo do mercado. Tudo isso colocou os capitalistas diante de um mercado caótico, tendendo a crises constantes, seja de lucratividade, seja de superprodução.

Tais crises, por sua vez, introduziram novas mudanças no Estado. Ele se viu obrigado a intervir na economia para salvar o capitalismo do próprio capital. O que estimulou os países capitalistas subdesenvolvidos a fazerem com que seus Estados interferissem na economia para desenvolver a indústria, seja utilizando empresas de capital estatal, seja orientando os investimentos privados.

No Brasil, durante o século 20, por três vezes o Estado desempenhou papel industrializante. Nos dez anos finais do século, ao contrário, realizou uma política de devastação industrial, a serviço dos interesses capitalistas financeiros e estrangeiros. Nos anos mais recentes, o Estado tem se visto num processo ambíguo. Tem deixado que os investimentos, inclusive os estrangeiros, se dirijam preferentemente para o comércio e os serviços. E pouco tem feito para reverter a inércia declinante da produção industrial. O que reduz a capacidade de o país gerar riqueza na intensidade que seria necessária para retomar um desenvolvimento sustentado.

Essa situação se agravou ainda mais porque a indústria brasileira é predominantemente constituída por empresas estrangeiras, cujos lucros (ou do valor gerado pela força de trabalho local) são exportados para suas matrizes no exterior. Isto cria uma contradição entre o produto interno bruto, ou o valor total produzido no país, e o valor nacional bruto, ou o valor líquido que permanece no país. Contradição que também se faz presente com os gastos da crescente importação de produtos industriais de outros países.

Nessas condições, discutir a centralidade da indústria no Brasil de hoje deveria consistir em discutir como elevar os investimentos públicos na indústria e como, através dessa alavancagem, estimular os investimentos privados. É necessário abandonar a suposição de que vivemos uma era pós-industrial, propalada pela publicidade dos países capitalistas centrais. Com ela, eles querem justificar seu declínio industrial, causado por seu alto desenvolvimento tecnológico, colapso da lucratividade e exportação de capitais para fazer frente àquele colapso.

Para nós, é mais vantajoso retomar toda a história do desenvolvimento industrial, desde a revolução industrial inglesa, passando pela industrialização sofisticada francesa, pela industrialização forçada norte-americana e pelas industrializações estatais alemã e japonesa, entre os séculos 18 e 19. Ou, se não se quisermos ir muito longe, examinar o desenvolvimento industrial da Alemanha, Japão e Tigres Asiáticos nos anos 1950.

A reindustrialização ou industrialização desses países foi, em grande parte, proporcionada pela política de Guerra Fria, pela Guerra da Coréia e pelas guerras de descolonização. Em todos os casos, os Estados daqueles países aproveitaram das demandas imperiais dos Estados Unidos. Porém, colocaram-se no comando do processo interno, tanto planejando e orientando os investimentos estrangeiros diretos para o adensamento de suas cadeias produtivas quanto protegendo o parque industrial nacional. Ao mesmo tempo, estimularam as exportações de manufaturados e elevaram a qualificação educacional e técnica da força de trabalho.

Também é possível examinar as experiências mais recentes dos Novos Países Industrializados, como a Indonésia, a Tailândia e a Malásia, assim como da Índia e dos socialismos de mercado da China e do Vietnã. Em todos os casos, de uma forma mais ou menos intensa, temos os mesmos ingredientes do Japão e dos Tigres Asiáticos combinados com as características nacionais de cada um.

O que ressalta, em todos os casos, é o papel desempenhado pelo desenvolvimento industrial no desenvolvimento econômico, social e político. Sem a implantação de cadeias industriais relativamente completas, às vezes comportando e combinando plantas da primeira, segunda e terceira revoluções industriais, no sentido de gerar novos postos de trabalho, o incremento da riqueza que permite o desenvolvimento social e político não teria sido possível.

Nesse sentido, o debate sobre a construção preliminar ou posterior de fortes sistemas educacionais, de altas taxas de poupança, de políticas macroeconômicas conservadoras, de Estados enxutos com baixa carga tributária e muito eficientes na oferta de serviços públicos, se parece com a discussão sobre o que surgiu primeiro: o ovo ou a galinha?

Alguns daqueles países tinham bons sistemas educacionais, mas baixas taxas de poupança, ou de capital acumulado. Outros não possuíam políticas macroeconômicas conservadoras, nem Estados que praticassem baixas cargas tributárias. E, em geral, só conseguiram oferecer serviços públicos eficientes à medida que seus parques industriais começaram a gerar taxas crescentes de riqueza e permitiram maiores investimentos naqueles serviços.

Portanto, para ver que caminho seguir, é preciso ter em conta as experiências dos outros, mas partir das condições nacionais. Estas são a base. Não aproveitar a experiência dos outros é arrogância patrioteira. Mas a cópia estrita leva ao desastre.




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