Interessante como as coisas mudam. Uns vinte dias atrás, vi um debate na TV entre os candidatos republicanos e todos, menos o Ron Paul, que é visto como meio maluquinho e não tem a menor chance, disseram que os EUA não estão em recessão e nem estarão tão cedo. Já na semana passada não se falava em outro assunto. Os analistas discutiam se a crise econômica iria afetar as chances do republicano John McCain nas primárias, já que sua candidatura está mais ligada ao combate ao terrorismo que à economia. Mas agora parece que tudo se acalmou, as bolsas recuperaram um pouco o prejuízo, e a vida segue... até o próximo sobressalto.
Tem quem ache que a recessão nos EUA ainda não chegou, porque pra isso seria preciso uma desaceleração da economia durante seis meses consecutivos, o que não tem acontecido. E tem quem ache que ela já está aí e não irá embora tão cedo, porque está ligada ao preço do petróleo. O que segura as pontas, apesar de tudo, é o alto consumo da população, que vive endividada – uma família americana deve, em média, US$ 9,200 em cartões de crédito. Um dos problemas é que pesquisas recentes apontam que os americanos crêem que a recessão será violenta este ano, e já começaram a cortar despesas. Sem que eles comprem, a economia estanca. Pra que o pessoal gaste mais, um projeto do Bush quer cortar 145 bilhões em impostos.
Menos impostos? Oba! Que maravilha, né? Não exatamente: esse dinheiro que não é mais arrecadado deixa de ser investido em áreas sociais, extremamente necessitadas. É difícil de acreditar que haja miséria no país mais rico do universo, mas há. São 37 milhões de pobres, mais de 10% da população, equivalente à população da Califórnia. Já faz um tempinho que a CITGO, que pertence ao Chávez na Venezuela, fornece calefação de graça às famílias mais carentes. É a única distribuidora de petróleo que faz isso. Imagina o incômodo que deve ser pro ego do império que um país subdesenvolvido como a Venezuela ajude americanos pobres. Não pega bem. Fora isso, com o negócio do “governo mínimo” (que foi também o que o FHC promoveu durante seus dois mandatos), cortam-se despesas de órgãos importantes. Por exemplo, o Food and Drug Administration, que deveria controlar todos os remédios lançados nos EUA, está sem verbas. Os produtos made in China começam a chegar aqui sem nenhuma fiscalização.
E tem a crise imobiliária, que é seríssima. Funciona assim: quase ninguém pode comprar um imóvel à vista, porque o preço é alto e o pessoal não tem poupança. Então, uma família paga a famigerada mortgage, ou seja, assume um financiamento pra pagar pro resto da vida, inclusive durante a aposentadoria. Várias empresas predadoras se encarregaram de vender casas fora do padrão que o consumidor possa pagar. Junte-se a isso um desemprego de mais de 5% e a desvalorização do mercado, e a família descobre que não pode continuar pagando sua hipoteca. Perde tudo e é despejada. Uma família despejada ou muda de cidade, ou vai morar com parentes, ou aluga um imóvel e desiste do sonho da casa própria, e geralmente precisa declarar falência. O banco fica com a casa, às vezes até com os móveis, e põe o local à venda. Só que não surgem compradores, e o imóvel fica às moscas. Quanto maior o número de casas abandonadas numa rua, maior a desvalorização do bairro. De repente, era uma vez um subúrbio. Isso está acontecendo em todo o país.
O nível de desespero varia. Falo com americanos que acham que os EUA estão “indo rapidamente pro lixo” (palavras de um carinha que tem uma loja de roupas), e com outros que acham que, apresar da crise, o país ainda vai seguir forte por muito tempo. Em comum entre esses grupos, só a insatisfação com o Bush. Ninguém entende bem como ele pode gastar mais de um trilhão de dólares na destruição do Iraque, e não ter dindim para investir em educação e saúde pros próprios americanos.