A democratização da Constituição
Geral

A democratização da Constituição


1. Notável a quantidade de pessoas sem formação jurídica que entenderam tomar posição sobre a árida, e controversa, questão constitucional de saber se, afinal, o recomeço do ano parlamentar no dia 15 de Setembro iniciou ou não uma nova sessão legislativa (condição para a validade do novo requerimento do PS a convocar o referendo da despenalização do aborto).
Embora muitas vezes sem uma adequada separação entre os argumentos políticos e a leitura constitucional, é bem-vinda esta "democratização" da Constituição e dos problemas constitucionais. Fomenta a formação constitucional e obriga os constitucionalistas profissionais a apurarem os seus argumentos e contra-argumentos.
2. No Quarta República (um blog sereno da área do PSD), David Justino coloca-me uma dúvida sobre o assunto. Se, como eu defendo, a AR pode ter cinco sessões legislativas no caso de eleições antecipadas, então como é que isso é compatível com o art. 171º-1 da CRP, que diz que "a legislatura tem a duração de quatro sessões legislativas"?
Já expliquei isso aqui, mas não quero fugir a voltar à questão. A razão é simples: o nº 2 do mesmo artigo estabelece uma excepção à regra do quadriénio, quando diz que, em caso de eleições antecipadas, a legislatura da AR então eleita é acrescida da parte da sessão legislativa que estava em curso à data da eleição. Portanto, nesse caso a legislatura comporta mais de 4 anos, pelo que às 4 sessões legislativas normais soma-se o período de tempo que restava da sessão legislativa interrompida pela antecipação de eleições.
É como dizer estas duas coisas: "1. O mês de Fevereiro tem 28 dias. 2. Nos anos bissextos, [porém,] o mês de Fevereiro tem 29 dias". Ou seja, uma regra e uma excepção. Na linguagem legislativa os "porém" e os "contudo" são quase sempre implíticos.
De resto, aquela regra do quadriénio tem uma outra óbvia excepção implícita: quando a AR é dissolvida, a sua legislatura também não comporta 4 sessões legislativas, agora por defeito, podendo ficar reduzida a 3, duas ou uma! Elementar, não é? Os preceitos das leis, mesmo os mais rotundos, não podem ser lidos isoladamente...
3. David Justino pergunta também por que é que no passado, em situações semelhantes, a própria AR considerou que a parte sobrante da sessão legislativa à data da eleição se integrava, sem descontinuidade, na primeira sessão legislativa ordinária da nova AR? A minha resposta também é simples: por inadvertência ou ignorância. Mas nem uma nem outra são modos legítimos de revisão da Constituição.
Aliás, não é esse o único caso, longe disso, em que subsistem durante muito tempo rotinas contrárias à Constituição, sem que os protagonistas se dêem conta disso. Por exemplo, durante muitos anos, a promulgação presidencial dos decretos-leis não era referendada pelo primeiro-ministro, por se entender, erradamente, que bastava a assinatura deste que já constava no diploma quando era enviado para Belém.
4. Invocando uma suposta "golpaça" de Jaime Gama -- que, a meu ver (e de vários outros constitucionalistas, como bem se sabe...), se limitou a cumprir a Constituição e não podia deixar de aceitar o requerimento --, David Justino termina com um rotundo "referendo assim, não!". Sucede que essa matéria vai ser necessariamente apreciada pelo Tribunal Constitucional, quando for chamado a verificar a licitude do referendo. Se o TC concluir que não houve nenhuma ilicitude na convocação do referendo, manterá DJ a sua radical, e temperamental, oposição ao mesmo?




- Razões
Segundo a imprensa, o Tribunal Constitucional vai chumbar a convocação do referendo sobre a despenalização do aborto, aderindo assim à bizarra teoria de que a Assembleia da República ainda se encontra na mesma sessão legislativa que antes das férias...

- Correio Dos Leitores: Ainda A Questão Da Sessão Legislativa
«Diz o art. 167.º/4 CRP que as propostas de referendo recusadas não podem ser renovadas "na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República". Isto que pus entre aspas, se bem leio, quer dizer que prossegue a mesma sessão...

- Acima De Toda A Suspeita
Acusa-me um leitor de, na questão de saber se há ou não nova sessão legislativa, fazer um "frete" ao PS, ao defender a posição que permite a renovação da proposta de referendo à despenalização do aborto. É uma acusação inteiramente descabida....

- Atribulações Parlamentares
1. Admitir que uma sessão legislativa, ou "ano parlamentar" (é o mesmo) -- que segundo a Constituição, se inicia em 15 de Setembro, depois do recesso parlamentar --, começou em Março deste ano e continua até Setembro do próximo ano, seria o mesmo...

- É Ilícita A Convocação Do Referendo?
Condenando a proposta socialista de convocação do referendo da despenalização do aborto, o director do Público, J. Manuel Fernandes, escreve hoje no seu editorial (link só para assinantes), que «A Constituição diz que cada legislatura dura quatro...



Geral








.