A escolha entre dois males
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A escolha entre dois males


Rodrigo Constantino

João Pereira Coutinho, em sua coluna de hoje na Folha, lembra-nos de que, muitas vezes, as escolhas se dão entre dois males. O artigo é um banho de realismo para lavar o romantismo infantil de todos aqueles que segregam o mundo de forma maniqueísta e vibram quando o "mocinho" derrota o "bandido", de preferência por uma revolução nas ruas. O colunista português diz:

Eis a cabeça do progressista típico: Mubarak = Mau; Protestos = Bons; Irmandade Muçulmana = Melhor que Mubarak.
Aqui, uma pessoa alfabetizada sentia uma leve tontura intelectual. Mubarak não era flor que se cheirasse -um ditador é um ditador é um ditador.
Mas os progressistas conheciam mesmo a Irmandade Muçulmana, esse brilhante grupo fundado por Hassan al Banna em finais da década de 1920 que representa tudo aquilo que a inteligência progressista abomina?
Dito de outra forma: os jornalistas que toleravam a irmandade conheciam as posições do clube sobre as relações entre o Estado e a religião, os direitos das mulheres, dos gays, das minorias religiosas, e etc. etc.?
Conheciam os atentados terroristas promovidos pelos seus líderes ou cometidos em seu nome (o palestino Hamas é apenas o melhor exemplo)?
E estariam dispostos a trocar um Egito autocrático por um Egito submetido aos preceitos da sharia (lei islâmica) sem pensar duas vezes?

Antes de celebrar um clima revolucionário, cabe perguntar, de forma mais realista, o que ou quem vem em seu lugar. Eis algo que os românticos nunca fazem, desde os tempos da Revolução Francesa, ícone desse tipo de visão mais infantil e sonhadora. Claro que isso não é o mesmo que rejeitar mudanças; é apenas não acreditar que elas são milagrosas, rápidas, fáceis, ou esquecer que elas podem ser, também, para algo pior.

Moral da história?
Sim, o presidente Mursi foi eleito democraticamente -uma importante diferença em relação ao seu antecessor.
Mas será que a legitimidade democrática absolve qualquer governante das suas derivas antidemocráticas? Sobretudo quando entre essas derivas está o golpe constitucional de novembro de 2012, através do qual Mursi pretendia governar autocraticamente como Mubarak antes dele?
Ponto de ordem: não se trata aqui de defender o golpe militar. Trata-se, pelo contrário, de defender o direito a não se defender ninguém: nem Mursi, nem os militares, nem sequer Mubarak.

A construção de uma democracia sólida demanda pilares que não podem ser substituídos por esperanças tolas. Em alguns casos, instigar a "Primavera Árabe" foi, sim, ajudar na revolução islâmica que nada tem em comum com a defesa das democracias liberais do Ocidente. E agora? Por onde andam todos aqueles que demonstraram enorme júbilo quando ditadores caíam, ignorando quem tomaria seus lugares? Desapareceram! Coutinho conclui:

Porque sem instituições democráticas fortes - tradução: separação de poderes; judiciário independente; liberdade de expressão; respeito pela iniciativa privada; e etc. etc.- qualquer orgasmo democrático com o Egito atual corre o risco de ser apenas ejaculação precoce.
Ao contrário do que pensam as cabeças infantis, a política não é uma luta permanente entre o bem e o mal. Às vezes, é uma luta entre dois males igualmente perversos.
E, nestas matérias, recordo sempre a sagaz observação de Kissinger sobre a guerra Irã x Iraque: "É uma pena que não possam perder os dois."




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