A GUERRA SANTA EM TORNO DO ABORTO
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A GUERRA SANTA EM TORNO DO ABORTO


Vendo o ótimo documentário Lake of Fire, tive certeza de uma velha suposição minha: que alguém ser pró-vida (contra o aborto) ou pró-escolha (a favor da legalização do aborto) depende demais de como vê a posição da mulher na sociedade. Pra direita-cristã, mulher nasceu pra procriar e pra ser mandada pelo homem. Deus é Pai, sabe? Jamais Mãe. É uma visão absolutamente patriarcal. Claro que esses patriarcas não querem que a mulher tenha autonomia sobre seu corpo – não querem que ela tenha autonomia, ponto. Sobre qualquer coisa. O documentário exibe uma manifestação pró-vida em frente à Casa Branca em que um rapaz conta que seu irmão engravidou a namorada. A família do rapaz fez de tudo pra que a moça não desistisse da gravidez, ofereceu dinheiro, quis adotar o bebê, tudo. Mas a moça, influenciada por suas amigas malignas da faculdade igualmente maligna, fez o aborto. E o pai do bebê, pobrezinho, não pôde fazer nada.

Uma cena dessas já diz tudo. A diferença primordial entre os pró-vida e os pró-escolha é que os primeiros dão ênfase ao bebê, e os segundos, à mãe. A direita cristã ama a mulher que se encaixa nos seus dogmas (boa esposa e procriadora), mas detesta a mulher que faz aborto. Se a direita conseguisse que o aborto retornasse ao seu status ilegal em toda a América, pode apostar que o passo seguinte seria defender a pena de morte pra qualquer mulher que fizesse um aborto. Já um dos símbolos do pessoal pró-escolha é um cabide riscado ao meio, porque antes que o aborto fosse legalizado, milhões de americanas morriam em decorrência de abortos clandestinos. Elas enfiavam um cabide em seus úteros, não necessariamente pra abortar, mas pra provocar sangramento. Os hospitais eram então forçados a praticar o aborto, porque havia risco à vida da mulher. O que elas não sabiam é que morreriam de hemorragia antes de chegar a um hospital. Milhões de mulheres seguem morrendo todos os anos nos estados dos EUA em que o aborto não é legalizado, no Brasil, e em tantos países onde a religião determina o dia a dia dos cidadãos. Não legalizar o aborto não significa que as mulheres vão parar de fazer aborto. Só significa que muitas vão morrer ao tentarem abortar. Ah, e o bebê morre também.

Na realidade, a direita cristã só é pró-vida em relação ao feto. Ela encoraja e treina militantes para matar médicos e enfermeiras que praticam abortos legais e explodir bombas em clínicas de aborto (e em bares gays também). Isso é bastante comum nos EUA. A gente pensa que só existem terroristas islâmicos, mas se esquece dos terroristas cristãos. Essas organizações de direita, que têm infinitamente mais dinheiro (vindo do dízimo dos fiéis) que quaquer organização pró-escolha, costumam comprar as casas ao redor das clínicas de aborto e das residências dos médicos para poder importuná-los em tempo integral. Pra uma mulher conseguir chegar à porta de uma clínica que faz aborto, ela vai precisar passar por um batalhão de gente (paga, que vive disso!) gritando palavras de ordem contra ela e esfregando fotos gráficas de aborto na sua cara. Com sorte, se a mulher conseguir entrar, talvez naquele dia não exploda uma bomba na clínica. Por isso que é tão ridícula a cena em que Juno vai à clínica de aborto e encontra apenas uma manifestante (uma menina da sua turma), que lhe diz que fetos têm unhas. Em que mundo os realizadores de Juno vivem?

A direita cristã está sendo muitíssimo bem sucedida. Há cada vez menos clínicas praticando abortos nos EUA. E não há mais médicos jovens que aprendam a fazer abortos em suas especializações. Logo logo, se continuar nesse ritmo, o aborto vai parar de ser praticado em hospitais nos EUA, ainda que siga sendo legalizado. As mulheres terão de recorrer aos cabides novamente. O pior é que a direita não é a favor de educação sexual nas escolas, de campanhas contraceptivas ou de distribuição de camisinhas. Pelo contrário! Tudo que ela prega é a castidade. Sexo só depois do casamento, como se isso convencesse algum adolescente. Os dados citados num discurso no documentário é que 4 em cada 10 americanas brancas engravidam antes dos 20 anos. Entre as negras, o número sobe para 6,7 em cada 10. E esses são dados dos anos 90 (porque o documentário, apesar de ter sido lançado recentemente, foi filmado há quinze anos). Depois de dois mandatos do Bush dando dinheiro apenas para campanhas de abstinência sexual, esses números devem ter subido ainda mais. E pensar que adolescentes não vão transar é tão ingênuo quanto pensar que não vão abortar.

Pra finalizar, uma provocação de ordem moral: se a direita cristã soubesse que um bebê nasceria homossexual ou viria a se tornar uma feminista rábida como eu (que eles chamam de “feminazi”), ainda assim seria contra o aborto?





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