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A laicidade é uma conquista - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 15/06
Em 2010, o Brasil e o Vaticano assinaram um tratado de 20 pontos para regulamentar o relacionamento entre a República e a Sé. Como Estados soberanos, um e outro têm a liberdade de assinar convenções, e é o que fizeram. Mas, é de duvidosa competência das relações diplomáticas o ponto, consagrado no texto, que trata do ensino religioso no ciclo fundamental nas escolas do país.
À época, o tema foi alvo de intensos debates, em razão da laicidade do Estado garantida pela Constituição (de resto, pela tradição republicana que remonta à Carta de 1891, que enterrou constitucionalmente o Império, e com ele a então prevalente repartição do poder político entre Deus e Cesar).
Menos mal que o constituinte de 88 teve o cuidado de inscrever na Carta (art. 210) o reparo, em relação ao ensino religioso, de que se trata de matrícula facultativa. Esse entendimento é extensivo à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que reforça o pressuposto de a disciplina não ser obrigatória, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, ?vedadas quaisquer formas de proselitismo?.
Isso quer dizer que religião, de qualquer matriz, não pode ser ministrada na grade senão como objeto de estudo por seu aspecto cultural e histórico, jamais como forma de catequese. Como tema de interesse intelectual e pesquisas, com professores cumprindo seu papel pedagógico, e não como espaço para sectarismos de qualquer confissão religiosa. A questão do ensino religioso na escola pública volta agora ao debate, na pauta do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade que provoca a Corte a determinar que a disciplina é secular, de natureza não confessional. A ação (Adin), proposta pela Procuradoria-Geral da República, é um passo acertado para dirimir dúvidas quanto a limites e abrangência do que a Constituição permite nesse campo.
Assim como determina que o Estado é laico, expressamente vedando à União e a demais entes federativos ações para estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-las ou manter com as ordens relações de dependência ou aliança, também a Carta garante a liberdade de culto religioso. Por óbvio, também protege a decisão do cidadão que não segue qualquer credo.
Esse não é o ponto da discussão. O que se bota agora na mesa são os riscos ao estado democrático de direito com a imposição, ao aluno e, por extensão, suas famílias, de celebrar em sala de aula qualquer rito. Até porque abre-se aí um campo para um risco adjacente ? o de se permitir a infiltração no ensino público do vírus da intolerância religiosa, com a administração de uma moral única, o que se contrapõe aos princípios de uma sociedade pluralista, justa, democrática.
Não há outro caminho admissível, no julgamento da Adin, que não o de obedecer ao princípio constitucional da laicidade. A separação entre Estado e Igreja não é um capricho, mas uma conquista republicana.
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