A oportunidade do câmbio - MARCELO MITERHOF
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A oportunidade do câmbio - MARCELO MITERHOF


FOLHA DE SP - 11/07

A depreciação traz ganhos a longo prazo; efeito deletério, a inflação será mitigada com corte em tarifas de transporte


O dólar tem sido cotado acima de R$ 2,20, valor que parece se consolidar como o novo nível referencial.

Em termos reais (descontada a inflação), esse movimento representa uma depreciação de cerca de 30% em relação ao patamar de R$ 1,60 que vigorava em julho de 2011, quando a moeda brasileira atingiu um pico de valorização real desde a estabilização monetária, em 1994.

As mudanças cambiais atingem de forma dicotômica duas variáveis relevantes ao desenvolvimento: a renda real da população, que se beneficia de apreciações da moeda local, e a competitividade dos setores de bens transacionáveis, em especial a indústria de transformação, que aumenta quando a taxa de câmbio se deprecia.

Na última década, a valorização das commodities brasileiras, em conjunto com os esforços de distribuição de renda associados ao Bolsa Família e à política de elevação do salários mínimo, propiciaram a partir de 2004 retomar o crescimento econômico com inflação baixa.

Contudo, esse arranjo, em certa medida virtuoso, favoreceu um esvaziamento das cadeias da indústria de transformação, que viu nas importações de partes, peças e componentes uma maneira de reduzir custos. A valorização cambial prolongada criou uma perda de solidariedade nessas cadeias produtivas.

A indústria é o principal setor de difusão de inovações e do avanço produtivo. Por isso, é desejável que países em desenvolvimento mantenham taxas de câmbio favoráveis à competitividade industrial.

Quer dizer, a depreciação cambial --inicialmente provocada pela queda dos juros e, nas últimas semanas, fruto da conjuntura externa-- deve representar ao menos em parte um reequilíbrio desejável entre os objetivos de curto prazo, propiciar ganhos reais aos salários, e de longo prazo, a geração de empregos na indústria.

Isso não ocorrerá, porém, sem efeitos deletérios de curto prazo. O mais evidente é uma pressão de elevação da inflação. Mas esse efeito tende a ser mitigado pelas reduções das tarifas de transporte, além de ocorrer num período em que o IPCA acumulado em 12 meses deve apresentar queda, depois de um pico em junho. Segundo a consultoria LCA, o impacto no IPCA de 2013 deverá ser uma redução de 0,13 ponto percentual, compensando em boa parte o efeito do câmbio.

Outra preocupação se refere ao endividamento das empresas. Mas as indicações são que, ao contrário de 2008, a exposição em dólar não é preocupante.

Os ganhos de competitividade propiciados pela desvalorização cambial sugerem ainda a possibilidade de rever as desonerações tributárias concedidas nos últimos anos sem que isso prejudique as empresas brasileiras.

Por exemplo, segundo a Fazenda, a zeragem da Cide deve ter um impacto fiscal de mais R$ 11 bilhões em 2013. A redução do IPI de setores como automobilística e linha branca tem impacto estimado de quase R$ 12 bilhões. A desoneração da folha salarial deve ter um impacto de R$ 16 bilhões.

Num contexto de ampliação das demandas por gastos públicos, faz pouco sentido insistir em desonerar a produção, que pouco impacto teve sobre o crescimento.

Essa reversão não precisa ser geral. Uma iniciativa que tem bons efeitos no longo prazo é a de aprofundar a desoneração das exportações e do investimento, que ainda não conseguem ser plenamente efetivas.

O exportador tem dificuldade para recuperar os tributos de etapas produtivas anteriores. A devolução dos créditos precisa ser mais ágil, inclusive em dinheiro.

No investimento, somente as máquinas e os equipamentos da linha de produção são desonerados totalmente. Diversos dispêndios auxiliares, como obras civis e de infraestrutura industrial, não são contemplados, o que em alguns setores atingem percentuais relevantes do investimento global.

Essas atividades dinamizam a economia. As exportações são estímulos autônomos, que impulsionam a geração de renda. O investimento faz a ligação da política macro com as decisões microeconômicas, promovendo a continuidade do crescimento com aumento de produtividade. A dificuldade de desonerá-las equivale a tributar o crescimento.

Em síntese, a depreciação cambial abre uma chance para reposicionar alguns elementos da estratégia de crescimento inclusivo que vigorou até 2010.




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