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Que indústria? - MARCELO MITERHOF
FOLHA DE SP - 07/11
É preciso desenvolver uma indústria em torno de setores em que o país tem competitividade global
Estive de férias em 2012 no Vietnã. Numa loja de Hanói, onde tinha comprado gravatas de seda por US$ 5 cada uma, uma vendedora disse a minha mulher que, se tivesse unidades de grife, bastaria trazer para que copiassem. Sem interesse, ela deu a desculpa de que iríamos embora no dia seguinte. Mas a vendedora retrucou: "Fazemos para amanhã, temos 24 pessoas trabalhando no andar de cima".
A história ilustra o deslocamento (em inglês, "crowding out") que a emergência da China, trazendo junto outros países asiáticos, representou nas últimas décadas para o mercado industrial em todo o mundo. Para que produzir localmente bens intensivos em trabalho em vez de comprá-los da Ásia?
Claro, a indústria é a principal geradora e difusora de inovações. A China mostra que um ambiente industrial robusto --mesmo em setores maduros, explorando mão de obra barata e fazendo das cópias um instrumento de inovação-- amplia as possibilidades de desenvolver cadeias produtivas intensivas em tecnologia.
É isso que explica a estratégia novo-desenvolvimentista, discutida na coluna de 24/10/2013. Uma depreciação cambial acentuada é uma forma de reduzir o custo salarial no Brasil. De início, os trabalhadores são sacrificados, porém a dinâmica industrial propiciaria um crescimento sustentado e competitivo, benéfico a todos.
O problema é o alto custo desse sacrifício para um país que já tem uma renda per capita média, como o Brasil. O nível de depreciação cambial --e de achatamento dos salários reais-- para fazer frente à concorrência asiática teria que ser brutal.
Pior, a experiência da Argentina na última década indica que não há garantia de sucesso. A partir de certo nível, os efeitos da depreciação são predominantemente inflacionários, não de crescimento. Além disso, apesar das altas taxas de expansão do PIB no período dos Kirchner, isso não propiciou uma "mudança estrutural" (sofisticação) da indústria do país vizinho.
Mas, para sustentar o crescimento inclusivo e o equilíbrio de transações correntes (a balança comercial e a de serviços, incluindo as remessas de lucros pelas transnacionais), não bastam as exportações agropecuárias e da indústria extrativa.
Então, qual é o desenho possível para a indústria de transformação?
O Brasil tem um conjunto relativamente bem conhecido de setores a desenvolver. Por exemplo, um estudo da Fiesp de 2013 selecionou 12, que não se resumem à indústria de transformação. Entre os vetores do crescimento estão petróleo e gás, infraestrutura, química, proteínas animais, automobilística, açúcar e etanol, complexo de grãos e construção imobiliária. Entre os setores dinamizados estão bens de capital, indústria naval, siderurgia e fertilizantes.
Para tanto, as diretrizes são conhecidas: ter planejamento e previsibilidade nas encomendas de setores de maior conteúdo tecnológico, bem como aperfeiçoar o poder de compra do Estado e desenvolver a engenharia de projetos nacional. Um sistema tributário menos confuso, um câmbio menos apreciado e o financiamento de longo prazo em reais são itens de alto impacto horizontal.
Por exemplo, a perspectiva de um horizonte estável de demanda teve sucesso na última década ao recriar a indústria naval brasileira.
Sob um câmbio menos valorizado, será mais fácil fazer ajustes necessários em políticas como as de conteúdo local e de uso do poder de compra do Estado.
Esse é um caminho que pode ser bem-sucedido, em especial se o petróleo do pré-sal conseguir não apenas elevar as vendas de produtos naturais como desenvolver uma cadeia de fornecedores densa e competitiva no Brasil.
Isso significa desenvolver uma indústria em torno de setores em que o país tem competitividade global, como também é o caso dos fertilizantes (insumo agrícola), ou no qual a existência de um mercado interno amplo seja um fator decisivo para a localização de plantas produtivas de transnacionais, como na automobilística.
Porém fica um gosto amargo na boca: isso pode não ser suficiente para o país ganhar autonomia tecnológica e superar as restrições externas ao crescimento. É possível ter outras configurações para a indústria nacional? Voltarei ao tema.
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