Por Marco PivaQuem tem acompanhado a recente onda de protestos que se espalham pelo país já percebeu que, como tudo na vida, existe algo de bom e algo de ruim nisso tudo. O bom é que as manifestações acontecem aos borbotões, por causas variadas e justas em sua maioria, num processo de acúmulo de forças que emparedou os poderes institucionais, principalmente a classe política. A exigência de mudanças radicais é nítida e bem vinda. O ruim é que a vocalização das reivindicações é organizada de forma subjetiva, quase particular, a partir de sentimentos difusos e aí, ao contrário do que alguns defendem, a própria democracia corre riscos.
A novidade das redes sociais como teia dos protestos tem seu limite na atuação da televisão e do rádio que indicam, de forma abrangente e imediata, onde e quando estão ocorrendo os protestos, num processo de retroalimentação do que passa nas ruas. Ao informar, mobiliza; ao mobilizar, lidera. Portanto, o que sai da boca da mídia vale muito mais do que qualquer grupo organizado na rede pode realizar. Seletivamente, a mídia edita poucas vozes entre milhões e esse não é um poder desprezível.
A indignação de quem está na rua por motivos difusos e não organizados é capturada pelos âncoras dos programas mais popularescos. Com o suporte técnico dos links por terra e ar, como um verdadeiro exército, os “Marcelos Rezendes” da vida deitam e rolam em mensagens que agradam o senso comum. Numa hora pede o “porrete” contra os vândalos; noutra afirma que é preciso tirar os malandros” do poder. A instalação do caos social é o que interessa. Quem acompanha pela internet, tem até um certo poder de intermediação. Escreve, rebate, bloqueia. Mas quem, como é o caso da maioria da população, vê o que está acontecendo nas ruas pelas lentes e pela cabeça da TV, certamente vai contar outra história porque, nesse caso, não há intermediação; existe liderança.
Para transitar de um movimento cuja origem é justa e legitima a uma situação de confronto de raiz autoritária é um passo. Pesquisas feitas com manifestantes já indicam: a maioria pouco se importa com partidos, movimentos sociais, sindicatos. Pelo contrário. Negam a existência daquilo que foi o avanço civilizatório das sociedades democráticas e sem cerimônia espancam e expulsam militantes partidários. Confundem as imperfeições da democracia com intolerância. O Estado e seus atores são lixo a ser descartados. Estão órfãos e querem um pai, na mais pura repetição de grandes e trágicos momentos da história da humanidade.
Portanto, existe uma dicotomia intrínseca nessa história toda. A causa que origina os protestos faz sentido republicano, mas seus contornos são perigosos por conta do tipo de modelagem social que criamos quando se permite que a mídia tenha se estabelecido comercialmente a partir de concessões públicas. Ou seja, o Estado garante que, numa hora como essa, os concessionários façam dele gato e sapato, tripudiem sobre as informações, escarneçam sobre as instituições, ainda que sempre repitam que “apenas informam o que acontece nas ruas”.
Se a necessidade das reformas é latente, há que se indicar claramente que duas delas merecem ser disputadas nas ruas: a reforma política e a democratização da comunicação. São bandeiras que, devidamente aliançadas, poderão de fato transformar as estruturas de poder no país. O restante das pautas pode ser absorvido pelos governantes em composições de última hora para salvar sua pele ou – o que é pior – em saídas autoritárias cujas consequências ainda estão presentes em nossa memória.
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