A vida eterna
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A vida eterna



Rodrigo Constantino

Você gostaria de viver para sempre? Vi esta pergunta que chamou a minha atenção no perfil de um amigo do Facebook. Havia o link para um artigo sobre a busca da vida eterna, citando o caso recente da filha que congelou o corpo do pai na esperança de um dia ressuscitá-lo. Resolvi colocar minha rápida colaboração, respondendo que precisamos da morte para valorizar a vida. Iniciou-se um debate “sem fim”...

Eis o ponto principal: valorizamos o tempo porque ele é escasso, finito. A partir do momento em que sabemos que vamos viver para sempre, o aqui e agora deixa de ter o mesmo apelo. É a noção de finitude que nos estimula a aproveitar nosso presente. Alguém que soubesse ser imune à morte jamais conseguiria encarar a vida da mesma maneira.

Os participantes do debate eram, em grande maioria, pessoas jovens. Creio que muitos deles são ateus (como eu) e libertários, depositando bastante fé no poder da ciência. Chesterton teria dito que o problema do descrente não era deixar de acreditar em Deus, mas sim passar a crer em qualquer besteira. Confesso que me lembrei disso na hora. Se a imortalidade religiosa desaparece, então vamos lutar pela imortalidade real, concreta, física!

A vida finita pode mesmo angustiar. Entendo as buscas indiretas pela imortalidade. Dizem que quem já teve filhos, plantou uma árvore e escreveu um livro já pode morrer. Não é difícil entender a analogia: quem deixou seus genes para a posteridade, uma obra sustentável e suas idéias “eternizadas”, já pode deixar este mundo ciente de que aqui permanece, de alguma forma (por isso não plantei árvore alguma ainda, pois quero viver mais tempo).

O problema começa quando estes jovens sonham com a imortalidade verdadeira, tal como os vampiros dos filmes que voltaram à moda (parecem nunca sair). Esses jovens acham que uma vida é pouco para realizar tudo o que gostariam (fato), e passam então a sonhar com uma utopia de vida eterna, para poderem fazer tudo o que almejam. Claro que a utopia é isso, uma utopia, que jamais virará realidade. Mas não deixa de ser curioso analisar esta busca pela imortalidade, assim como seus efeitos hipotéticos caso ela fosse viável.

O ser humano, segundo Freud, é dividido entre a pulsão de vida e a pulsão de morte. Eros e Tânatos. Se por um lado pulsa o desejo de viver em nós, por outro lado há uma busca, ainda que inconsciente, pelo fim das angústias, pela sensação inorgânica anterior ao nascimento. Karl Kraus, com sua genialidade, resumiu bem a coisa: “Anseio ardentemente por aquela condição psíquica em que, livre de toda responsabilidade, sentirei a estupidez do mundo como um destino”.

Mas divago. O ponto é que nem sequer podemos imaginar realmente uma vida sem fim, eterna. Se eu tenho 10 milhões de anos pela frente (coloco um número, pois o conceito de infinito nos escapa por completo), qual o sentido em fazer as coisas que quero agora? Seria a morte da preferência intertemporal. Eu poderia fazer de tudo! Tenho todo o tempo do mundo. O que significa que o tempo não tem mais valor.

Com o fim do “trade-off”, da necessidade de abrir mão de algo para escolher outra alternativa, perderíamos a capacidade de valorizar nossas próprias escolhas. O fluxo de um tempo que dura para sempre seria percebido como estático por nós. Vampiros seriam seres bastante entediados se existissem. A única adrenalina em suas vidas eternas seria justamente a possibilidade de interrupção via acidentes, ou seja, o risco de morte!

Basta pensar em esportes radicais. Qual seria a adrenalina neles se não existisse o risco? A vida sem fim seria uma chatice sem fim. A ciência de que tudo o que é bom acaba é o que garante seu prazer. Eu adoro doce de leite, mas sem dúvida ele não teria o mesmo valor se eu pudesse comê-lo infinitamente sem seqüelas. O valor está na escassez, no risco, no fim.

Somos motivados a buscar nossos desejos porque sabemos que o tempo é escasso e finito. Isso cria um senso de urgência, uma angústia que nos impele à ação. Eu adoro ler, por exemplo, pois valorizo o conhecimento. Procuro ler uma média de seis livros por mês. Sempre que vou escolher um livro novo bate aquela angústia. Esse ou aquele? São tantas opções e tão pouco tempo! Mas se eu fosse viver 10 milhões de anos, o que aconteceria com esta busca angustiante pelo conhecimento? Aquele livro que tanto me interessa poderia ser deixado para amanhã, leia-se daqui a uns cinco séculos...

Se o sujeito imortal vivesse desde Cristo, tudo o que a humanidade viveu desde então seria, pela ótica dele, equivalente a um milésimo de segundo (ou nem isso). O quão valoroso é, para nós, seres mortais, um espaço de tempo tão insignificante? Eis o que valeria a vida na imortalidade: nada!

Notem que mesmo as pessoas religiosas que dizem acreditar na vida eterna não vivem de fato como se acreditassem nisso. Deixando de lado a importância de como vivemos para ter acesso ou não ao paraíso eterno, não é difícil perceber que seria pura incoerência alguém que realmente crê que a morte é apenas uma passagem para um paraíso infindável lutar para se manter vivo. O racional, neste caso, seria desejar a “morte” física, para ganhar logo o prêmio sonhado, que é a vida eterna e maravilhosa. O que salva os crentes do destino de Jim Jones e seus seguidores é a hipocrisia e a contradição.

Outro exemplo pode ilustrar o ponto: se há a garantia de que o amor do outro estará lá para sempre, que não há risco algum de ele acabar, então ele perde seu valor! Um relacionamento em que não há a menor chance de dar errado, de acabar, não tem graça para o ser humano. O bicho homem é assim mesmo: precisa do risco da sombra para valorizar a luz!

Por coincidência, postei o seguinte comentário no Facebook pela manhã, lembrando que ontem foi meu aniversário: “Hoje acordei mais velho (nasci à noite), mas me sentindo como um bom vinho, que melhora com o passar do tempo. Ainda que seu destino inexorável, tal como o meu, seja ir para o vinagre de qualquer jeito...” É isso que a turma jovem parece não compreender: esta noção de finitude é o que nos fornece sentido e valor para o presente. Cada respirada deixa uma a menos para a minha última, e por isso eu a valorizo tanto.

É clichê, mas verdadeiro: todos morrem, mas poucos vivem. Viver, aqui, no sentido de realmente aproveitar a vida, deixar sua marca, fazer alguma diferença. Não posso evitar uma profunda preocupação quando vejo pessoas tão jovens sonhando com a vida eterna dos vampiros. O presente vai passando enquanto eles focam na “imortalidade”, não em um futuro próximo, mas em um futuro inexistente e inalcançável!

O filme “Forever Young”, com Mel Gibson, já retratou este sonho em 1992. Não é nada novo, claro. Muito antes disso, outros criaram arte com base nesta utopia. Mas o final do filme é bonito, porque o sonho não consegue eliminar a tragédia, e há beleza na tragédia. O jovem descongelado reencontra a mulher amada, agora bem mais velha, só que suas células envelhecem em ritmo bem mais acelerado que as dela. É isso que faz com que os dois, agora religados (religião vem de religare), possam aproveitar os últimos dias de vida juntos, até que a morte os separe. Nenhum filme seria capaz de manter a emoção sem o “The End”.

O homem precisa da morte para valorizar a vida. Aos colegas do Facebook, aqui vai meu recado: viva a morte!     




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