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GAZETA DO POVO - PR - 05/09

Nada há de mal trazer cubanos, portugueses, espanhóis ou de quaisquer outras nacionalidades para o Brasil, mas é condenável tentar convencer a opinião pública de que se trata de uma resposta às manifestações populares



As coisas nem sempre são o que parecem ? ou que o governo acha conveniente que se pareçam. A importação dos médicos cubanos, por exemplo, passa por esse jogo de cena. Anunciada como resposta ao grito das ruas de junho, a ideia de trazer médicos da ilha de Fidel Castro para suprir o déficit de assistência à saúde nos rincões mais remotos do país estava pronta muito antes disso, e o governo trabalhava para viabilizar o projeto desde abril deste ano, quando o governo Dilma assinou um termo de cooperação técnica com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Foi justamente esse acordo que possibilitou a abertura das fronteiras brasileiras aos 4 mil médicos cubanos que começam a chegar ao país.

Nada há de mal em trazer médicos cubanos, portugueses, espanhóis ou de quaisquer outras nacionalidades para o Brasil tão carente de médicos, como já enfatizamos diversas vezes neste espaço, embora sejam questionáveis alguns termos da contratação, como a não exigência de exame de revalidação de diploma (Revalida). Entretanto, condenável é o gesto político de trazer os médicos estrangeiros como se fosse uma resposta às manifestações populares e procurar esconder da opinião pública que essa decisão já estava tomada pelo menos dois meses antes da eclosão dos movimentos de junho.

Em maio, dias após a assinatura do acordo com a Opas, o então ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota, revelou que o Brasil planejava trazer 6 mil médicos cubanos, mas a notícia foi mal recebida, chegando a causar constrangimentos no interior do governo, que já previa a possibilidade de reações contra a medida. Talvez por isso, o acordo acabou ?dormindo? por alguns meses até o governo Dilma encontrar um motivo plausível para ressuscitá-lo. Essa justificativa veio com os movimentos de junho, que clamaram, entre outras coisas, por melhor qualidade nos serviços públicos e, dentre eles, melhor atendimento de saúde à população.

Após o fracasso da etapa inicial do programa Mais Médicos ? supostamente criado a fim de atender o clamor das ruas por melhor saúde ?, quando apenas 10% das vagas foram preenchidas, a ?solução? proposta pelo governo brasileiro foi a contratação dos cubanos. Agora, com os primeiros médicos estrangeiros já instalados no país, sabe-se que, diferentemente dos médicos de outras nacionalidades, os cubanos terão pelo menos metade do que receberem em terras brasileiras obrigatoriamente enviado para os cofres do governo de Fidel. Algo muito parecido com uma inominável exploração do trabalho humano, condizente com os tempos que, no Brasil, antecedem a 1889, ano em que a princesa Isabel assinou a Abolição.

Embora revestida como um ato humanitário em relação aos países mais carentes do mundo, a ?exportação? de médicos tem sido a principal fonte de divisas da Ilha. A venda dessa mão de obra rende anualmente a Cuba US$ 7,8 bilhões, bem mais do que os US$ 6,3 bilhões que arrecada com toda a pauta de exportações de produtos gerais, como o açúcar e seus famosos rum e charutos. Assim, mesmo indiretamente, o convênio do Brasil com Cuba servirá como uma ajuda financeira aos Castro. Com a revelação de que o governo Dilma já costurava o acordo para trazer médicos cubanos desde abril, fica muito mais plausível a hipótese de que a preocupação do governo não era apenas a baixa qualidade do sistema público de saúde, historicamente marcado tanto pela falta de médicos, como de estrutura para o atendimento à população.




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