ACREDITE SE QUISER: AMPLIAR LICENÇA PATERNIDADE É PAUTA FEMINISTA
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ACREDITE SE QUISER: AMPLIAR LICENÇA PATERNIDADE É PAUTA FEMINISTA


O Conrado me fez esta pergunta e me mandou uma música muito bacana que ele compôs (e que eu não consigo linkar aqui). 

"Ler seu blog sempre foi uma delícia, e agora que virei pai de uma menina linda seus textos ganharam uma dimensão inspiradora. O que me motiva a te mandar esta mensagem é que me deparei agora com o fato de ter de voltar a trabalhar tão rápido depois de ela ter nascido. Até consegui um tempinho maior do que a semaninha prevista em lei, porque tive a oportunidade de negociar isso. Mas mesmo assim é pouco demais. Adoraria ficar dando carinho à pequena mais tempo junto com minha mulher. E talvez isso fosse importante pra filhota também. 
Então queria saber a sua opinião sobre a licença paternidade. Há algum movimento no Brasil pra estender esse momento (tão legal também) pros homens? No meu caso já passou, já voltei a trabalhar, e beleza, estou curtindo a pequena e ajudando bastante quando chego em casa... Mas acho que brigar por uma licença paternidade maior no país poderia ser bacana na relação pais e filhos."

Minha resposta: Embora o pobre Conrado tenha me enviado este email faz muito tempo (a filha dele já deve estar adulta agora), este é um assunto importante. Então vou falar com todas as letras: é claro que o feminismo é a favor da licença paternidade. Afinal, feministas não são adeptas da ideia ultrapassada de que cabe às mães cuidar dos filhos, e aos pais prover o sustento da família (quem é adepto dessa ideologia são os machistas). Além disso, feministas querem que homens participem de toda a rotina doméstica, a fim de acabar com a divisão sexual do trabalho, uma das bases do capitalismo.
Esses dias li uma citação muito interessante da Heloísa Buarque de Hollanda, em que ela desmente esse mito (ridículo) de que feminista é anti-homem. O que ela diz é que o feminismo não quer destronar o rei pra colocar no lugar a rainha. O feminismo quer é acabar com a monarquia. Bonito, não?
Ou seja, o problema não é o homem, e sim o sistema de dominação em que se baseia nossa sociedade. E esse sistema insiste que a criação dos filhos e os cuidados domésticos são deveres da mulher, mesmo que a maior parte das mulheres hoje trabalhe fora. Mas é até mais do que isso -- o sistema prega que criar filhos é algo individual, privado, nunca coletivo. Ai do Estado se quiser interferir na propriedade privada -- é isso que são considerados os filhos de um casal! Basta um governo sugerir que palmadas "educativas" não são educativas coisa nenhuma, e que fazem muito mais mal do que bem, que um monte de gente se levanta para gritar que suas liberdades individuais estão sendo ameaçadas. 
Mas e a liberdade individual de uma criança não ter que apanhar? Esse pessoal só quer liberdade individual pra poder continuar sendo violento e opressor dentro do seu castelo, do seu feudo. É por isso que a família ainda é um espaço tão violento. É sempre a mesma lógica de "briga entre marido e mulher, ninguém mete a colher".  
E a gente está tão acostumada a este único modelo que nem para pra pensar que um outro mundo é possível. Um mundo, por exemplo, em que pessoas não precisem trabalhar 40 ou 44 horas por semana. Um mundo em que as pessoas possam ter mais tempo pra criar os filhos, pro lazer, pra vida. Um mundo em que slogans como "o trabalho enobrece o homem" (e repare: só o homem) sejam questionados.
Em outubro tive a honra de dividir uma mesa sobre trabalho, direito e gênero na UFPB com a Amelinha, incansável lutadora por justiça para as vítimas da ditadura militar. E ela contou uma anedota incrível. Disse que foram as feministas que conquistaram a licença paternidade no Brasil. 
Quando algumas feministas propuseram isso, na década de 1980, muitas companheiras trabalhadoras recusaram. Disseram que "homem dentro de casa é um desastre". Porque o homem na sociedade machista se transforma num outro filho, que exige cuidados constantes quando está no ambiente doméstico (a figura do sujeito que não se levanta nem pra pegar um copo d'água ainda existe). 
Todxs nós já ouvimos mulher reclamando que tem que cuidar das crianças, do marido... Porque o marido é um crianção que não aprendeu a se cuidar sozinho. (Ainda hoje existe essa mentalidade: segundo uma pesquisa do Data Popular de 2013, 64% das brasileiras responderam que marido dá mais trabalho do que ajuda em casa. 98% das entrevistadas disseram que, além de trabalhar fora, elas precisam fazer as tarefas domésticas. E só 29% disseram que tem ajuda dos maridos. Entre os homens casados, só 5% disseram cozinhar ou lavar louça, só 5% limpa móveis e varre, só 1% lava e passa roupa).
Mas, apesar de tudo, as feministas insistiram com essa ideia louca da licença paternidade. Foram falar com Mario Amato, então presidente da FIESP, quando a FIESP tinha muita força (eu me lembro sempre do Amato dizendo, nas eleições de 1989, aquelas fatídicas entre Collor e Lula, que se Lula ganhasse, 800 mil empresários iriam deixar o país). As feministas lançaram a ideia da licença paternidade pro Amato, que respondeu: "Vocês estão loucas! Vocês querem acabar com o capitalismo!"
Amelinha conta que sim, queriam (pisc, pisc), mas não era essa a questão. Um estudo da Unicamp na época já mostrava que o custo com os dias não trabalhados durante uma Copa do Mundo era maior que seria o custo com os dias não trabalhados durante a licença paternidade. Finalmente, a Constituição de 1988 aceitou aumentar a licença paternidade de um para cinco dias. Ainda é pouco.
Só quatro países no mundo não têm qualquer tipo de lei que regulamenta licença maternidade paga: Libéria, Suazilândia, Papua Nova Guiné, e... os Estados Unidos. Há algumas variações entre estados (na Califórnia, até casais do mesmo sexo têm licença), mas, em geral, uma lei de 93 permite até doze semanas de licença para que a trabalhadora possa cuidar do bebê sem perder o emprego, mas sem receber salário. 
No Japão a licença é de até um ano, e pode ser dividida entre os pais, que recebem 60% da remuneração garantida.
Parece que a República Tcheca oferece licença maternidade de três anos, que também pode ser usada por homens. Durante esse tempo, as famílias recebem ajuda do Estado. Na Áustria as mães podem escolher entre um e três anos de licença maternidade, com bolsa do governo.
Já a Suécia garante 16 meses de licença paga, com 80% do salário, e o custo é dividido entre Estado e empresa. Desses 16 meses, pelo menos dois precisam ser tirados pelo pai. Partidos de esquerda na Suécia fazem pressão para que esses meses sejam divididos igualmente entre mãe e pai (perceba: a direita defende o Estado mínimo e o corte de todos os impostos; portanto, é contra licença paternidade. É contra até licença maternidade!). 
Esta notícia diz que o excelente Instituto Papai faz campanhas para ampliar o tempo de licença, e que há na Câmara Federal várias propostas de aumentar a licença paternidade. A mais adiantada é da senadora do Ceará Patrícia Saboia, que aumentaria a licença paternidade para quinze dias corridos. Ainda está sendo discutido se o benefício valeria também para pais adotivos, e para pais homossexuais.
Quinze dias? Eu acho é pouco. Nossa sociedade machista não me parece ainda pronta para conceder o mesmo tempo de licença para mães e pais. Só ter o pai em casa, sem que ele colabore nos cuidados da casa e do bebê, não ajuda muito. Mas ampliar o tempo de licença pode também levar um homem educado num ambiente machista a criar vínculos maiores com a criança e, assim, querer cuidar dela. É certo que os pais precisam se envolver muito mais na criação dos filhos. E ter mais responsabilidades também. Como diz a Beatriz, ninguém nunca pergunta "Cadê o pai dessa criança?". É sempre a mãe.
Quanto às consequências econômicas de ampliar a licença paternidade, é a sociedade que define suas prioridades e como quer gastar dinheiro e recursos. 
Até porque a desculpa do empresariado para não contratar mulheres porque, como disse um leitor, "as mulheres vivem engravidando" (ha ha, a média atual é de 1,9 filho por brasileira!), cai por terra se o pai dividir os cuidados dos filhos com a mãe. E é isso que eu como feminista quero: pais mais presentes, mais carinhosos, que encarem que "ser másculo" é criar seus filhos com amor e respeito. Tenho certeza que o Conrado é um desses homens com H.




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