MULHERES DEVEM SE APOSENTAR ANTES DOS HOMENS?
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MULHERES DEVEM SE APOSENTAR ANTES DOS HOMENS?


Até agora não aconteceu nada que justifique a manchete ao lado, mas a mera proposta de fixar a idade da aposentadoria em 65 anos (35 anos de contribuição) tanto pra homens quanto pra mulheres já atiçou os ânimos de inúmeros misóginos, daqueles que bradam: "Vocês feminazis só querem os privilégios!"
Os caras que falam essas besteiras nem se tocam que trabalhadores rurais também podem se aposentar antes, e sem terem contribuído. Isso também é privilégio? Ou existem razões para que a aposentadoria deles seja diferente da dos trabalhadores urbanos?
Num mundo ideal e igualitário, realmente não existiriam motivos pras mulheres se aposentarem cinco anos antes. Mas falta muito pra chegar neste mundo. Pra começar, hoje, como está, mulheres ganham muito menos que homens. Quer dizer, se você, homem, não acha 30% "muito menos", experimente encolher o seu holerite em um terço. É sério, esses dados não estão em discussão. Não é achismo, não é "Ahn, não conheço nenhuma empresa que pague menos às funcionárias" (como se a gente soubesse o salário de alguém no nosso local de trabalho!). É estatística.
Uma brasileira recebe 62% do que ganha um brasileiro com o mesmo nível de escolaridade. Entre 42 países analisados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o Brasil ocupa, ao lado do Chile, o primeiro lugar no ranking de disparidade de gênero no que se refere a salários. Mesmo num país muito mais igual que o nosso, a Finlândia, a renda média dos homens é 40 mil dólares por ano. A das mulheres, é 32.500.
Ainda que mulheres já sejam 53,5% dos mestres no Brasil, elas ganham, em média, R$ 5.438 (dados de 2013), enquanto os mestres homens recebem R$ 7.557.
E sim, até na mesma área essa diferença persiste. Por exemplo, um mestre em Letras ou Linguística no Brasil recebe, em média, R$ 4.660 -- se for homem. Se for mulher, uma mestre exatamente na mesma área ganha R$ 4 mil. Essa absurda diferença ocorre em todas as áreas!
Mas o principal motivo para mulheres (o que deveria incluir mulheres trans) poderem se aposentar antes nem é a flagrante injustiça salarial. É a jornada dupla e tripla de trabalho. 
Hoje a maior parte das mulheres trabalha fora de casa. Já somos metade da força de trabalho no país. A mudança econômica foi gritante, mas a cultural, ainda não. Os homens ainda não fazem a sua parte: não participam das tarefas domésticas, não cuidam das crianças ou dos idosos. Infelizmente, o tempo que os homens dedicam aos afazeres da casa aumentou em quase nada na última década -- ridículos 8 minutos a mais por semana.
Assim, o que temos? Aquele velho clichê do cara que chega exausto do serviço e, em vez de trocar a fralda do filho, lavar a roupa ou preparar o jantar, estica-se no sofá pra ver TV. E a esposa, que também voltou exausta do serviço, precisa fazer tudo isso.
As mulheres fazem 52% do trabalho global. Homens fazem 48%. Mas os homens ainda são a maioria no trabalho remunerado. Pois é, a mesma sociedade que determinou que mulheres podem se aposentar cinco anos mais cedo também determinou que mulheres devem cuidar do trabalho doméstico -- sem qualquer tipo de remuneração.
E sabem aquele outro "privilégio" da mulher que tanto é citado, a licença maternidade? Esta licença é fundamental para toda a sociedade, e existe na grande maioria dos países (ironicamente, o país mais rico do mundo, os EUA, não concede licença maternidade paga!). Lógico que foi o feminismo que exigiu e alcançou a licença maternidade. O que poucos sabem é que as feministas lutam também por licença paternidade! Porque, no mundo que queremos, cuidar da casa e dos filhos deve ser obrigação dos homens também.
Em alguns países do mundo, como Alemanha e Inglaterra, a idade da aposentadoria foi equiparada. Em vários outros, no entanto, a diferença ainda persiste: na China e Rússia, a idade mínima para mulheres é de 55 anos, e, para homens, 60. Na Argentina, é de 60 anos para mulheres e 65 para homens. Áustria e Suíça também permitem que mulheres se aposentem antes. A França deixa que mulheres com filhos contribuam por menos tempo. 
Os governos de todo o mundo querem aumentar a idade da aposentadoria, porque as pessoas vivem mais e a previdência social é sempre contestada.
Há quem alegue que, pelo fato das brasileiras viverem oito anos em média a mais que os homens, e por terem menos filhos hoje do que há algumas décadas, a idade da aposentadoria deveria ser a mesma. Esses dois fatores são de fato verdade. Mas a jornada dupla de trabalho também é. 
E se você acha que a diferença salarial se resolve na aposentadoria, pense de novo! As mulheres continuam ganhando menos depois de aposentadas, claro. Pra citar um dado dos EUA, 2,9 milhões de mulheres idosas viviam em situação de pobreza em 2013, mais que o dobro do número de homens. Além do mais, 45% das mulheres com mais de 75 anos vivem sozinhas, o que pode deixá-las desamparadas.
Portanto, mulher se aposentar antes é um pouco como cotas para negros no Enem -- não é privilégio, é compensação! Se as mulheres ganhassem o mesmo que os homens, se não precisassem arcar com todo o serviço doméstico sozinhas, ou se os negros e pardos não fossem maioria na população mas minoria nas universidades públicas, não haveria necessidade alguma de compensação.
Até que não haja igualdade, a resposta para a pergunta "Mulheres devem se aposentar antes?" é: por enquanto, sim.

Mais um dado fascinante: mulheres gastam mais que homens. Um estudo em Nova York avaliou 800 produtos em 35 categorias diferentes e constatou que produtos feitos "pra mulheres" custam 42% a mais que aqueles feitos "pra homens". 
Desodorante feminino custa mais que masculino, por exemplo. Roupas femininas são mais caras. Um shampoo pra homem em NY custa em média US$ 5,68. Pra mulher, 8,39, uma diferença de 48% a mais (sem falar que absorventes que as mulheres precisam usar durante a maior parte da vida são caros pra caramba). 
Se colocar essas diferenças na ponta do lápis, elas formam uma bolada de dinheiro. Como diz a reportagem, é um imposto secreto que as mulheres pagam pra quase qualquer coisa. A matéria ainda diz: gênero é uma construção social. E é uma construção cara. 
Ou seja: ganhamos menos, pagamos mais. Mas igualdade, segundo muitos, é que a gente se aposente na mesma idade. 




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