Imagine, leitor, se Lula – antes, durante ou depois de governar o Brasil – tivesse sido parado em uma blitz de trânsito e fosse constatado que estava inabilitado para dirigir (permissão vencida) e, para completar, tivesse se recusado a fazer teste de alcoolismo soprando o bafômetro.
Se essa hipótese fosse verdadeira e Lula ainda fosse presidente, a oposição tucano-midiática por certo teria pedido o seu impeachment. Mas e se fosse candidato a presidente e tivesse sido flagrado dirigindo alcoolizado, o que a mídia e a oposição – esse conclave antipetista – diria? Consideraria um pecadilho desimportante ou prova de que não teria condições de ser presidente?
A forma como a mídia e a oposição a Dilma trataram a pergunta (legítima) da presidente a Aécio Neves no debate SBT/UOL sobre o episódio em 2011 em que o então senador tucano recém-eleito foi flagrado em uma blitz de trânsito no Rio de Janeiro e, instado pelos policiais a fazer o texto do bafômetro, recusou-se, difere do que fizeram em episódio análogo.
Lula está há mais de trinta anos no cenário político brasileiro. Em todo esse tempo, jamais foi flagrado bêbado e nunca, jamais, surgiu um depoimento crível de que tenha sido visto nessa condição. A despeito disso, sugiro ao leitor que faça uma busca no Google usando os termos “Lula” e “bêbado”.
São milhares de charges, piadinhas e críticas a supostos hábitos etílicos do petista.
Essa história de que Lula bebe ganhou corpo em 9 de maio de 2004. Reportagem da Folha de São Paulo – o mesmo jornal que publicou na capa que Lula matara 200 pessoas no desastre do avião da TAM e que, também na capa, acusou o presidente de ter tentado estuprar um adolescente –, com destaque na primeira página, acusou o então presidente de ser alcoólatra.
A matéria derivou de artigo do então correspondente do jornal The New York Times no Brasil, Larry Rother, quem, com base em afirmações de desafetos de Lula – sobretudo os do PSDB –, acusou o então presidente da República de ser alcoólatra. Contudo, nunca houve uma só prova disso.
Abaixo, a matéria de Rother que a Folha e toda a grande imprensa divulgaram à farta. O post prossegue após a matéria.
Como se vê, a matéria infame do jornalista americano contra o então presidente do país, repercutida incansavelmente por toda a grande mídia, baseava-se, tão-somente, em disse me disse e em especulações.
A despeito disso, o mesmo PSDB e a mesma mídia que hoje se horrorizam por Dilma ter perguntado simplesmente sobre a posição de Aécio sobre alcoolismo são os mesmos que acusaram Lula de ser alcoólatra sem nem uma mísera prova que sequer se aproximasse da prova inconteste contra Aécio produzida na blitz em que ele se recusou a soprar o bafômetro.
Apesar da falta de provas da afirmação de Rother sobre Lula, no dia seguinte (10/05/04) à matéria acusatória, na mesma Folha, o então líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Custódio Mattos (PSDB-MG), defendeu a acusação de Rother a Lula: “Acho que temos que dar um voto de confiança”.
Dois dias depois, a Folha de São Paulo publica matéria defendendo efusivamente a publicação da “denúncia” contra Lula, apesar de não se basear em provas.
Todos os grandes jornais defenderam as especulações sobre os supostos hábitos etílicos de Lula. Até hoje o ex-presidente é chamado de alcoólatra nas redes sociais e nos redutos antipetistas por conta de uma matéria que jamais provou nada.
Aécio e seu partido – bem como a mídia tucana – parecem ter mudado de opinião sobre a relevância de um homem público usar substâncias entorpecentes, seja álcool ou cocaína. Agora, dizer que um homem público usa tais substâncias é considerado “baixaria”.
Talvez seja mesmo. Ainda mais se não houver provas, como no caso de Lula. Contudo, diante da prova, a situação muda de figura. E o que é pior, se além da prova de uso de substâncias entorpecentes um homem público tentar burlar a lei, aí tudo fica mais grave.
Então vejamos: Aécio, senador da República recém-eleito, supostamente obrigado a fazer e a defender leis, é flagrado dirigindo sem permissão e, instado pelos policiais a fazer o teste do bafômetro, recusa-se a fazer.
Alguém que faz leis e deve defender a aplicação delas por dever de ofício, dá o (mau) exemplo de não só violar a lei, mas se negar a cumpri-la.
Quando, no debate SBT/UOL, na última quinta-feira, a presidente Dilma perguntou o tucano sobre o que ele achava da lei que proíbe dirigir sob efeito de álcool ou outras drogas, ele se revoltou. Mas tentou explicar alguma coisa.
Abaixo, matéria da Folha com a explicação textual de Aécio para aquele episódio.
Epa! “Inadvertidamente? Como assim?! Aécio estava inadvertido sobre o que? Vejamos o que diz o dicionário Houaiss sobre o adjetivo inadvertido.
inadvertido
adjetivo ( a1595)
1 que não foi advertido, não avisado; desavisado
2 que não toma cuidado suficiente; descuidado, distraído
Bem, pelo que se pode depreender de Aécio ter dito que “inadvertidamente” se recusou a fazer o teste do bafômetro é que ele, um senador da República – ou seja, um legislador – não conhecia a “lei seca”.
É isso?
A grande pergunta que fica é: alguém que desrespeita ou desconhece uma lei que cem por cento dos brasileiros conhecem e que se recusa a provar que não infringiu essa lei – obviamente porque, se se submetesse à prova, ficaria claro que infringiu – tem condições de governar o país?
Se Lula, governando o país, foi exposto por um jornal estrangeiro com uma mera suposição sem amparo de qualquer prova e o PSDB e a mídia compraram a acusação e defenderam que tivesse sido feita, mídia e PSDB têm, agora, obrigação de apoiar o questionamento a Aécio Neves feito por Dilma Rousseff. É simples assim.