Ainda há tempo - GUSTAVO LOYOLA
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Ainda há tempo - GUSTAVO LOYOLA


Valor Econômico - 18/06


Os fortes realinhamentos nos preços dos ativos financeiros nas últimas semanas não deveriam ser vistos sob uma ótica negativa. Afinal de contas, por trás desse movimento está a perspectiva de mudança de sinal da política monetária americana como consequência dos indicadores de recuperação da maior economia do mundo. Sendo assim, absorvidos os efeitos da volatilidade de mercado nessa fase de transição, seria de se esperar que a normalização da economia dos EUA trouxesse benefícios em escala global, impactando positivamente países como o Brasil.

Assim, o movimento de depreciação do real frente ao dólar americano observado nas últimas semanas é parte do realinhamento de preços iniciado diante das expectativas de reversão da política expansionista do Fed. Tipicamente, trata-se de reação a mudanças de fundamentos que não deveria, a princípio, constituir-se em obstáculo para a gestão macroeconômica no Brasil, desde que esta estivesse fundada na responsabilidade fiscal e na observância estrita do regime de metas para inflação.

Ocorre que a política macroeconômica no Brasil sofreu acelerada deterioração nos últimos dois anos, desde a adoção pelo Ministério da Fazenda da chamada "nova matriz econômica" que substituiu o tripé virtuoso - regime de metas, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal - por uma política que engloba juros baixos, expansão fiscal e moeda depreciada, combinados com incentivos creditícios generalizados com recursos do Tesouro. Centrada em estímulos à demanda, essa política trouxe fortes desequilíbrios à economia, o mais perverso deles sendo a manutenção da inflação em patamar excessivamente elevado em todo o período. Além disso, a "nova matriz" mostrou-se impotente para reativar a economia, pois não ataca os verdadeiros gargalos ao crescimento.

Dessa maneira, um realinhamento que deveria ter características benignas para o Brasil ameaça trazer dificuldades maiores para o país, já que coincide com uma percepção crescente de risco com a gestão macroeconômica do governo Dilma, como indica a mudança recente de perspectiva para o "rating" soberano pela agência Standard & Poor"s. Assim, a recuperação da economia dos EUA - que é uma oportunidade para o Brasil - acaba sendo vista como um risco, por conta dos equívocos da nossa própria política macroeconômica.

Contudo, a batalha não está perdida. Ao contrário, o Brasil ainda tem suficiente margem de manobra para enfrentar com sucesso o atual período de volatilidade nos mercados e de se beneficiar da nova realidade do pós-crise nos EUA. Basta abandonar as veleidades da "nova matriz econômica" e voltar ao porto seguro do tripé das políticas que asseguraram a estabilização da economia e a superação de suas principais vulnerabilidades -- fiscal e externa - nos quinze anos que se seguiram ao Plano Real.

Nesse sentido, as decisões mais recentes do Copom são alentadoras. Mostram uma autoridade monetária preocupada com a inflação, aliás, em sintonia com a sociedade brasileira cuja insatisfação com o processo inflacionário restou demonstrada em pesquisas de opinião divulgadas na semana passada. Porém, é necessário que o BC siga nos próximos meses reconstruindo sua credibilidade que ficou abalada pela piora das expectativas de inflação e pelas sucessivas e indevidas interferências de outras esferas de governo em seu campo de atividade. A convergência das expectativas futuras de inflação para o centro da meta será, a meu ver, o termômetro da recuperação da credibilidade do BC, essencial na conduta da política monetária.

Igualmente no sentido positivo deve ser mencionado o abandono das medidas administrativas restritivas no mercado de câmbio. Com isso, espera-se que o regime volte a ser o de câmbio flutuante, o que me parece fundamental para ajudar o país a absorver sem maiores traumas as ondas de choque geradas pelas mudanças na política monetária nos EUA. As intervenções do BC nesse mercado devem ter por objetivo diminuir a volatilidade excessiva, mas não o de se contrapor à tendência de apreciação do dólar americano, que tem por base uma mudança nos fundamentos.

Se nos campos da política monetária e cambial os sinais são positivos, o mesmo não pode ser dito no caso da política fiscal. Ao contrário, o governo continua insistindo em malabarismos contábeis e no afrouxamento da austeridade nas contas públicas, seja na esfera federal, seja nas esferas estadual e municipal. A recentíssima Medida Provisória nº 618 é prova disso. Numa mesma MP, o governo adotou um casuísmo para beneficiar a prefeitura paulistana, realizou novo aporte ao BNDES e adquiriu créditos realizados com recursos do FGTS, numa verdadeira salada mista de prodigalidade fiscal.

Contudo, ainda há tempo para retorno às políticas macroeconômicas responsáveis. O nó górdio está na gestão fiscal, onde continua predominando uma visão expansionista e de pouca transparência. Se não houver o abandono dessa política, não apenas o Brasil continuará perdendo sua credibilidade perante os investidores internacionais, como principalmente estaremos presos numa armadilha de baixo crescimento, notadamente em razão dos sinais opostos das políticas monetária e fiscal e pela ausência de políticas estruturadas para o enfrentamento das restrições de oferta há muito presentes em nossa economia.




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