Ainda temos tempo - ANTÔNIO DELFIM NETO
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Ainda temos tempo - ANTÔNIO DELFIM NETO


VALOR ECONÔMICO - 03/12

Quando comparada objetivamente com outras economias emergentes, a brasileira não se destaca como das mais confortáveis, mas também não aparece como um "desastre anunciado", como querem alguns analistas politicamente mais engajados.

Têm, talvez, alguma razão quando afirmam que poderíamos estar fazendo um pouco melhor, e creio que colaboram com o governo quando apontam dificuldades realmente existentes, tanto na arquitetura da política social e econômica como na sua execução. Quando extrapolam, revelam sua propensão ao messianismo iluminado, escondido na sua "ciência".

O poder político não teria nenhum grau de liberdade, a não ser executar as suas "receitas" (que no fundo são produtos de suas preferências), da mesma forma que quem vai construir uma casa tem de aceitar os cálculos de resistência dos materiais e de equilíbrio geral ensinados pela física ao engenheiro que contratou para o projeto.

O outro lado do espectro desse messianismo iluminado é o voluntarismo político. Esse recusa-se a reconhecer as restrições implícitas à sua ação pelas condições físicas que determinam a organização material da sociedade descobertas pelos economistas em séculos de duro trabalho.

Numa sociedade como a nossa: 1) que se pretende republicana; 2) apoiada na livre escolha do poder incumbente pelo sufrágio universal em eleições regulares e transparentes, na qual se busca; 3) um aumento continuado da igualdade de oportunidade, fundamental para dar alguma justiça à organização produtiva através dos "mercados", aqueles dois comportamentos não resistem ao teste da realidade.

Pode levar algum tempo, mas se o voluntarismo político tentar, sistematicamente, violar as identidades da contabilidade nacional, irá destruindo o equilíbrio social e econômico e acabará rejeitado pelas urnas. Por outro lado, se o messianismo economicista não levar em consideração a exigência fundamental de procurar aumentar, continuadamente, a igualdade de oportunidades, acabará da mesma forma.

É preciso insistir que a organização das atividades produtivas pelos mercados não foi inventada. Foi descoberta num processo evolutivo quase biológico, em que os homens procuram acomodar três valores não inteiramente compatíveis: a relativa liberdade de iniciativa, a relativa igualdade e a relativa eficiência produtiva. Alguns economistas pretendem que "demonstraram" que ela é a melhor e final. A verdade é que as interessantes demonstrações da existência de um "equilíbrio econômico geral" por métodos matemáticos sofisticados são apenas jogos de salão.

A mesma evolução que se percebe na narrativa histórica continua sob nossos olhos. À medida que se revela que a sua universalização está levando a consequências sociais desejadas (o sufrágio universal trabalha no sentido de exigir mais rápida redução das desigualdades) e materiais indesejadas (o crescimento da população, da sua renda e a urbanização estão destruindo o seu suporte ambiental), ela vai acelerar-se.

Os "modelos" alternativos para produzir um "curto-circuito", que levaria diretamente àqueles valores, foram testados e devidamente enterrados no século XX. Algumas caricaturas, com os mesmos trágicos resultados, sobrevivem como zumbis. Uma espécie de contra factual para não deixar nada se perder na história...

Desde a Constituição de 1988, com todos os problemas que podem ser corrigidos e todas as virtudes que devem ser respeitadas, nossas instituições foram adquirindo musculatura para sustentar uma estrutura social e econômica que, sem retrocessos, leve o país ao encontro daqueles três valores.

É preciso reconhecer: 1) que com ela fizemos progressos sensíveis na construção de uma sociedade mais civilizada, principalmente com a inclusão social produzida por programas que foram melhorando seu foco e sua eficiência ao longo do último quarto de século; 2) que o êxito desses programas dependeu, de maneira importante, das flutuações da conjuntura mundial; e 3) que no combate à crise de 2008/09, enfrentada com maior ênfase no processo redistributivo, produziram-se consequências importantes sobre as políticas fiscal, monetária e cambial. Usamos alguns expedientes oportunistas, mais do que uma arquitetura de política econômica coerente.

Do ponto de vista fiscal, acelerou-se o dispêndio e reduziu-se a receita pelos estímulos tributários, o que cortou os superávits primários. Do ponto de vista da inflação, o aumento da demanda pública, os aumentos salariais muito acima da produtividade e a rápida expansão do crédito dos bancos públicos tinham de dissipar-se num aumento da taxa de inflação e/ou num aumento do déficit em conta corrente, como aconteceu.

A taxa de câmbio real (graças ao diferencial do nível da taxa de juro real interna) valorizou-se violentamente para ajudar a controlar a inflação. O seu custo foi a desmontagem de um dos setores mais sofisticados e decisivos para o crescimento econômico, o de produtos manufaturados. O superávit exportador de US$ 139 bilhões entre 2002-2007, foi substituído por um déficit de US$ 126 bilhões de 2008 a 2013, uma fantástica redução de demanda externa de US$ 265 bilhões! Por que algum industrial iria investir?

Temos tempo para corrigir. É hora de o Congresso dar todo o apoio ao governo para que possamos fazê-lo.






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