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Aqui não tem tarifa zero - ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
FOLHA DE SP - 06/07
Jovens da região de Hollywood, que levam vida vazia, só querem saber de consumir e de roubar
Eles não pedem redução de tarifa, nunca usaram transporte público, se bobear não sabem nem que existem ônibus e trens.
Também não querem saber quem está no governo, não se preocupam com a democracia ou com a falta dela, não apanham da polícia, nunca viram uma passeata.
Ignoram os estudos e nem para sexo ligam muito.
Querem, isso sim, cultuar celebridades, melhor ainda, querem ser celebridades. Vivem para consumir, e é o seguinte: não pretendem pagar.
Eles são o "Bling Ring" ("A Gangue de Hollywood", na pouco sutil tradução brasileira), retratados no novo filme de Sofia Coppola. Estreia no dia 2 de agosto no Brasil. Vi há algumas semanas nos EUA.
"Ring", aqui, não é "anel", significado mais comum. É "bando", ou, mais precisamente, "patota". E "Bling" é uma onomatopeia, o "plim-plim" metálico das joias quando resvalam umas nas outras.
O nome original do filme resume a principal atividade dessa patota adolescente: fazer furtos, preferencialmente de joias e acessórios de alto valor, nas casas de celebridades.
Aconteceu de verdade. Entre 2008 e 2009, quatro garotas e um menino, todos de famílias ricas da região de Los Angeles, descobriram um novo tipo de diversão. Pela internet, ficavam sabendo quando seus famosos preferidos estavam fora da cidade. E, pela mesma rede, encontravam facilmente os endereços das estrelas.
Para brasileiros, pode parecer estranho, mas essas celebridades, quando iam viajar, não se dignavam nem a trancar a casa. Também não tinham um staff de funcionários 24 horas, ou seguranças.
Assim, ficava fácil para o "Bling Ring" atacar. Entre as vítimas, Paris Hilton, Orlando Bloom e Lindsay Lohan. Foram mais de R$ 6 milhões em mercadorias furtadas.
Para as filmagens, Paris cedeu a própria mansão, uma espécie de masmorra kitsch cuja estética faz Hebe Camargo parecer uma campeã do minimalismo. Só por mostrar esse monumento à opulência sem noção, o filme já vale.
O que torna essa história tão interessante, a meu ver, é o perfil social dos ladrõezinhos. No padrão americano, são de classe média alta. Mas muito diferentes, por exemplo, da juventude do romance "Abaixo de Zero", de Bret Easton Ellis, também ambientado em Los Angeles, só que nos anos 80.
Os jovens de "Abaixo de Zero" já são a elite da elite de L.A. Não precisam cultuar celebridades, porque convivem com elas. Se, em uma festa, veem a atrizinha do momento jogada no chão com uma seringa de heroína espetada no braço, passam direto, ocupados de si próprios.
O pessoal de "Bling Ring", não. A turma mora em Los Angeles, verdade. Mas é uma outra L.A., aquela do lado de lá das montanhas, o chamado Vale de San Fernando. Onde também existe muita grana, mas faltam o glamour e a tradição de Beverly Hills. Mal comparando, se Beverly Hills é a zona sul do Rio, o Vale é a Barra da Tijuca.
É nessa pequena diferença entre o mundo do "Bling Ring" e o mundo das celebridades (tão próximo, mas ao mesmo tempo tão distante do Vale de San Fernando) que está a força do filme.
Os mais velhos talvez se lembrem de "Valley Girl" ("Garota do Vale"), canção de Frank Zappa que retrata exatamente esse universo. As jovens de Zappa, como as de Sofia Coppola, só pensam em joias, roupas e sapatos. E precisam explicar que moram no Vale, "mas na parte boa".
Coppola tomou algumas decisões radicais para construir o filme. A fim de retratar a ausência dos pais na criação da molecada, ela os fez literalmente ausentes. Com uma única exceção, pais e mães simplesmente não aparecem. Só mesmo no último ato do longa, quando cai a casa dos jovens ladrões, é que os coroas surgem. Como perfeitos patetas, sem a menor ideia do que está acontecendo.
Outra decisão importante da diretora tem a ver com o perfil psicológico dos adolescentes. Ela optou por não investir nisso. Os personagens são como são, ponto. Sem explicações. Especialmente no caso de Rebecca, a líder da gangue, tão jovem e já tão fria e manipuladora, senti falta de um aprofundamento maior.
Para os padrões de Sofia Coppola, discípula de Antonioni pouco chegada a diálogos, "Bling Ring" tem até muitas falas. E, como sempre nos filmes dela, a fotografia é deslumbrante.
Entre poucos erros e muitos acertos, uma estreia e tanto. Não perca.
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