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Arte fora da moda - VLADIMIR SAFATLE
FOLHA DE SP - 27/08
"Quando um amigo estilista se denomina artista, eu sempre lhe pergunto: Como assim? Você parou de desenhar vestidos?'." Essa é uma das frases de Karl Lagerfeld, que tem ao menos a virtude de possuir um cinismo capaz de se voltar contra os arroubos de sua própria profissão.
Seria bom que alguém no Ministério da Cultura tivesse lembrado dela antes de permitir que desfiles de modas fossem autorizados a captar R$ 2,8 milhões por meio da Lei Rouanet.
Claro que haverá sempre os que afirmarão que moda é cultura, já que é expressão da criatividade de um povo em sua produção simbólica. Mas, seguindo essa noção demasiado larga e pouco operacional de cultura, teríamos que colocar no mesmo conjunto a culinária, a publicidade e até mesmo o jornalismo.
Sendo assim, por que não usar as leis de incentivo cultural para financiar agências de publicidade, restaurantes glamourosos e jornais?
Se um desfile de moda pode, uma agência de publicidade formada por "criativos" teria o mesmo direito. No entanto, se for para assumir tal lógica, melhor seria transformar o Ministério da Cultura em uma "secretaria especial de produção de glamour e de gestão da economia criativa", ligada ao Ministério da Indústria e Comércio. Ao menos seria mais barato para o contribuinte.
Essa descoberta recente da possível natureza artística da moda nos leva a perguntar se não haveria um equívoco maior referente às políticas culturais aplicadas por uma certa esquerda.
Presa entre exigências genéricas de integração social e o fascínio pelo uso econômico do conceito de cultura, ela acabou por aprisionar os debates sobre cultura às planilhas de economistas que louvam a força do "imaterial" e ao bom coração das ONGs, com seus discursos de assistência social.
Há de perguntar se uma política cultural não estaria mais bem assistida se estivesse focada na multiplicação de equipamentos de formação para a cultura, assim como na defesa daquela produção artística que tem dificuldade em circular por não fazer parte dos circuitos da rentabilização financeira e da indústria do entretenimento.
Pois talvez seja a hora de perguntar, depois de tanto tempo, quantos conservatórios foram abertos, quantos polos de cinema foram criados, quantas escolas de artes visuais existem hoje em nossas periferias frutos de políticas federais.
O mais engraçado nisso tudo é que lembrar disso será considerado, por alguns, "elitista". Em minha época, "elitista" era financiar desfiles de moda em Paris com dinheiro público.
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