As memórias de uma guerra suja
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As memórias de uma guerra suja


Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:

Recém-instalada, a Comissão da Verdade já tem um grande e inédito material para destrinchar os obscuros anos da ditadura.

Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS no Espírito Santo, assassino condenado e convertido pela fé, listou em livro-depoimento, um sem número de crimes que praticou nos anos de chumbo, indicando seus mentores, comparsas e uma grande rede de colaboradores da violência nos porões.


“Memórias de uma Guerra Suja” (Topbooks), depoimento aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros, já vem causando uma enorme repercussão –menos na grande imprensa onde é sistematicamente ignorado.

Comoveu seus primeiros leitores pela perversidade: a confissão do ex-policial sobre a incineração, no forno de uma usina carioca, de vários corpos de jovens tragados pela tortura.

Se não fosse pela necessidade imperiosa de julgar atrocidades como essas, só a oportunidade das famílias dos desaparecidos de conhecer o destino de seus entes, já obrigaria a Comissão da Verdade a se debruçar imediatamente sobre tais fatos.

Alguns relatos são tão detalhados e precisos que a verdade exala de seus poros. Em outros momentos, a aparente onipresença do autor lança algumas dúvidas sobre a autenticidade.

Mas como em todo processo, um depoimento isolado jamais é suficiente para atingir a verdade.

“Memórias” é, assim, um ponto de partida, não um porto de chegada.

Comparando-se ao delegado Sérgio Paranhos Fleury, a quem teria inclusive sucedido após a morte (cujas circunstâncias macabras também relata), Guerra se insere em alguns dos mais conhecidos episódios da repressão: a chacina da Lapa, a morte de Alexandre Baumgarten, o atentado frustrado ao Riocentro.

Mas sua aparente invisibilidade, eis que jamais mencionado em listas e depoimentos de militantes ou familiares de desaparecidos, pode-se dever a uma inusitada circunstância: Guerra alega que jamais torturou.

Matou e ocultou cadáveres, aos borbotões, mas quem cruzou com ele não teria ficado vivo para contar a história.

O livro não é romanceado e tampouco se enquadra no ‘new-journalism’ – há muito mais confissão do que reportagem.

Não é de fácil leitura e a urgência em publicá-lo certamente prejudicou uma montagem mais agradável. Mescla sem aviso prévio passagens em primeira e terceira pessoa, repete notas exaustivamente e obriga o leitor a um zigue-zague frequente, entre o texto e os anexos. Ainda assim é uma leitura obrigatória.

Com ela é possível entender um pouco mais de como foi construída a repressão submersa no país e qual a extensão do legado que ela nos deixou.

Guerra explica que foi a expertise que já tinha como um policial-matador que o valorizou na colaboração com a ditadura. A tática de simular resistências já era de há muito praticada pela polícia –a “vela (arma) na mão do defunto”- e foi incorporada ao cotidiano das mortes pelo Estado autoritário.

A sofisticação da repressão se deu em torno das bem articuladas comunidades de informação que reuniam militares de várias forças, agentes de várias polícias e até mesmo operadores graduados do direito –irmanados na prática dos crimes contra a humanidade. Guerra faz menção, inclusive, a uma suposta integração de procuradores da República a esta comunidade, bem como indica inúmeros de seus financiadores privados.

Algumas passagens são dignas de romance de espionagem.

O agente da CIA que proporcionava o ingresso de armas no país, os encontros de mandantes e assassinos em uma sauna, a maleta com metralhadora embutida, que atirava ao abrir.

Mas o relato que resume de forma mais contundente o fim desse processo está longe de parecer ficção.

Guerra explica o que aconteceu aos operadores da repressão quando a luta da linha-dura para sufocar a abertura foi derrotada: “Alguns que se escondiam sob falsas identidades acabaram incorporados à máquina governamental. Viraram servidores públicos. Outros tiveram sorte diferente.... o pessoal responsável pelas operações mais perigosas foi absorvido em outras organizações, a maioria relacionada à contravenção”.

O ex-policial, por exemplo, admitiu ter se abrigado no jogo do bicho após o fim do regime militar.

O relato põe por terra a recorrente ideia de que a repressão significou mais segurança e a democracia é que tem sido permissiva com o crime.

Ao revés, o recrudescimento da criminalidade é um dos mais perversos e cruéis legados da própria ditadura –desde o incremento do contrabando de armas à experiência aguda dos grupos de extermínio.

Nas palavras de Guerra, que vivenciou na pele essa transição e esteve dos dois lados do balcão:

“A decadência dos aparelhos de combate ao comunismo coincide com o crescimento de organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas, à formação de milícias e principalmente ao jogo do bicho. O know-how conquistado com o aparato do Estado agora serviria ao submundo do crime organizado”.

Cada vez mais se comprova que conhecer o passado é indispensável para entender o presente.




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