ASSIM ME DIZ A BÍBLIA
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ASSIM ME DIZ A BÍBLIA


Vi o documentário Assim me Diz a Bíblia (For the Bible Tells Me So, de Daniel Karslake) logo que saiu em dvd, quando eu morava nos States. E imediatamente fiquei fascinada pelo filme. Na realidade, faz três anos que quero escrever sobre ele. Agora que descobri que não é difícil encontrá-lo na internet, não tenho mais desculpas (download aqui com legendas; no YouTube tem alguns pedaços).
Como sou uma ateia assumida, o que a Bíblia diz ou deixa de dizer não me diz respeito. Não quero que os religiosos se metam na minha vida, nem quero me meter na deles. Mas fico indignada ao ver que um documento tão importante ― e com tamanho ar de autoridade por ser o livro sagrado, a palavra de Deus ― é usado pra justificar e fomentar o ódio contra muita gente. Sempre soube que a religião cristã, assim como todas as outras, considera a mulher como inferior ao homem (Deus é Pai, só padres podem rezar missa, freira não pode ser papa, Eva é a culpada de tudo, Deus fez o homem a sua imagem e semelhança, e a mulher veio depois etc). Afinal, estudei em colégio católico. E pra mim, pessoalmente, seria incompatível ser feminista e cristã ao mesmo tempo (me dei conta disso quando eu tinha 13 anos). Entendo que a Bíblia foi escrita num contexto extremamente machista, e não pelo Todo Poderoso, mas por barbudões de carne e osso mesmo. Porém, gosto de pensar que a gente evoluiu de lá pra cá. Sei que tem quem creia que a vida era muito melhor quando bebês nasciam em manjedouras, ao lado de vaquinhas. Mas a expectativa de vida na época não chegava aos 33 anos. Estamos melhor agora, acredite.
Como sabemos, uma das maiores vítimas dos intérpretes literais da Bíblia é o homossexual. Deve existir muito preconceito contra gays, já que as igrejas insistem em fazer da homofobia sua principal bandeira. Às vezes me parece que esse discurso do ódio é o único merchandising de várias crenças. E não me venha dizer que as religiões amam o gay e só odeiam seu pecado. Pra mim amar é aceitar. Imagina se eu chegasse pro maridão e dissesse “Eu te amo, lindão, mas não tolero que você seja careca”! Causa pra divórcio, certo? E, pelas religiões em geral serem tão intolerantes com os gays, não compreendo como algum gay ainda possa querer fazer parte de uma comunidade que quer mudá-lo a qualquer custo. Mas gays são pessoas como outras quaisquer e têm o direito de serem contraditórias.
O lindo documentário começa desconstruindo o discurso de que a escritura deve ser levada ao pé da letra. Vários depoimentos de líderes religiosos citam exemplos. Se a gente realmente crê que a Bíblia diz que a homossexualidade é uma abominação e que Deus a condena, então deve levar outras partes literalmente também, não? Tipo: um homem se masturbar e desperdiçar a sementinha sagrada é um crime capital. Já vender sua filha como escrava é ok. Comer camarão é o terror, Deus castiga! Trabalhar no sábado merece a morte. E adoro a parte em que a Bíblia diz que a gente deve doar tudo que tem aos pobres! Porque, né, eu não vejo nenhum desses intérpretes literais fazer isso. Pelo contrário: parece que quanto mais eles moldam a escritura aos seus preconceitos, mais dinheiro eles ganham.
Um dos argumentos que eles usam é que a homossexualidade faz os gays infelizes. É verdade que muitos adolescentes gays se suicidam ou tentam se suicidar. Agora, isso é porque eles se odeiam por serem gays ou porque a sociedade os despreza e atormenta? Se você é pai ou mãe, jura que você prefere ter seu filho morto do que aceitá-lo como ele é, já que a sexualidade de cada um não é uma opção? Pô, não é uma frescura. Não é que eu acordei um dia e falei “Oba, vou ser hétero!”. Eu nasci assim e sinto muito, não consigo me ver me sentindo sexualmente atraída por alguém do mesmo sexo. Tudo bem com você eu ser assim? Você me perdoa? Ah, tudo bem, porque eu sou hétero! Então como não aceitamos que os gays já nasçam com sua orientação sexual?
Ao mesmo tempo, compreendo que muitos gays não gostem dessa defesa da homossexualidade pelo viés de “não ser uma opção”. Porque e se fosse uma opção? Alguém tem o direito de discriminar uma pessoa por uma opção que ela faz e que não interfira na vida dos outros? Além do mais, essa defesa de “nasci negro, me aceite como sou” nunca funcionou com os negros. Os racistas não olham pros negros e pensam “Uau, é mesmo, nasceu negro, então deve ter os mesmos direitos que os brancos”. Quem é intolerante com uma pessoa é intolerante com todas ― tanto faz se o alvo do preconceito nasceu assim ou escolheu ser assado.
O incrível é que o documentário consegue contestar o conceito furado de “Deus odeia gays” entrevistando apenas gente muito religiosa. Mas se ficasse só nisso, discutindo a escritura, Assim Diz não teria tanta força. O que o faz o filme realmente tocante, que me faz chorar baldes e deveria comover qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade, é que ele entra na vida de algumas famílias. Sabe aquele que é o grande pesadelo de um preconceituoso, “O que você faria se seu filho fosse gay?”. Bem isso. São ouvidas cinco famílias muito religiosas que descobriram que seu filho era gay ou sua filha era lésbica.
Devo admitir que preciso lutar pra não ficar com raiva de pais que não aceitam seus filhos. Mas não é fácil pra eles também. Precisamos de vez em quando nos colocar no lugar deles. Como tanta gente, eles crescem ouvindo que não há nada pior que a homossexualidade (um dos entrevistados no doc diz que o ódio em relação às mulheres é o combustível da homofobia. É o medo do homem, um ser privilegiado, ser tratado como mulher. Que horror isso acontecer a um homem numa sociedade patriarcal!). E de repente tá lá, um filho gay. Pais necessitam de tempo para amadurecer.
E, infelizmente, às vezes eles nunca amadurecem, ou não amadurecem a tempo. A parte mais comovente do doc é de uma mãe que não aceitou que sua filha fosse lésbica. Depois que a filha lhe comunicou sua orientação sexual, o relacionamento entre as duas foi por água abaixo. E, em 97, a moça se matou. Isso transformou radicalmente a mãe, que sentiu-se muito arrependida por não ter apoiado sua filha. A mãe virou ativista GLBT. É tristérrimo quando ela lê um trecho da carta que a filha lhe enviou, e sua resposta atravessada nas linhas de “vou continuar te amando, mas jamais aceitarei que você seja lésbica”. Glupt. Nó na garganta geral.
Eu adoraria ver um documentário como Assim Diz a Bíblia feito no Brasil, com famílias brasileiras sendo entrevistadas sobre como aceitaram (ou rejeitaram) seu filho gay. Tenho fé que gente boa, por mais preconceituosa que seja, não renega o filho. Apesar de, claro, a homossexualidade ser um grave distúrbio. Tanto quanto a heterossexualidade.




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