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Por Cynara Menezes, na revista CartaCapital:
Se algo pode ser dito a respeito do julgamento do “mensalão”, é o fato de ele ser único, inédito na história do Brasil. Para muitos, um julgamento de exceção. Assim como todos os ritos judiciais foram peculiares nesse processo, também tem sido incomum a fase de execução das penas. Quem explica a seguinte contradição: condenados beneficiados pelo direito a embargos infringentes ainda não julgados estão presos, e outros sem direito a qualquer embargo continuam soltos? Enquanto o Supremo não se posiciona sobre a razão dos dois pesos e duas medidas, chovem críticas, óbvio, à falta de equanimidade do tribunal.
Dos 25 condenados no julgamento, 11 estão presos desde o sábado 16 de novembro e um está foragido (Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil). Entre os petistas processados, só um permanece solto, o deputado João Paulo Cunha, que aguarda julgamento de recurso em companhia de outros dois envolvidos. Três réus começam em dezembro a cumprir penas alternativas e sete estão na situação inusual de aguardar em liberdade uma definição sobre o início do cumprimento das penas, entre eles o delator do esquema, Roberto Jefferson, e os deputados federais Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP).
Na quinta-feira 28, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, negou “tratamento diferenciado” aos réus ainda livres, mas se esquivou da responsabilidade. “É questão do Supremo e não da Procuradoria.” Esta é, porém, apenas uma das várias situações sui generis no entorno das prisões. Não se pode acusar Joaquim Barbosa, relator do processo e atual presidente do STF, de falta de criatividade.
Uma das mais flagrantes “excepcionalidades” da execução das penas foi a alteração do regime de cumprimento. Réus com direito ao semiaberto foram enviados ao regime fechado, casos de José Dirceu e José Genoino. Este último, afetado por problemas de saúde, recorreu ao STF e solicitou prisão domiciliar. Uma junta médica contratada por Barbosa concluiu, no entanto, que a condição do deputado não é tão grave. O desencontro dos laudos médicos deixou os petistas nas redes sociais em polvorosa.
O primeiro laudo, assinado por peritos do Instituto Médico Legal, logo após Genoino passar mal na prisão, favorecia a argumentação do petista e de sua família a respeito dos riscos de vida na prisão, em consequência da recente cirurgia cardíaca do detento. “Trata-se de paciente com doença grave, crônica e agudizada, que necessita de cuidados específicos, medicamentosos e gerais, controle periódico por exame de sangue, dieta hipossódica, hipograxa e adequada aos medicamentos utilizados, bem como avaliação médica cardiológica especializada regular”, avaliaram os peritos.
Os cinco profissionais da Universidade de Brasília convocados por Barbosa tiveram entendimento diferente: “O conceito de doença cardiovascular grave não se aplica ao corrente caso em seu conceito clínico-cirúrgico de momento atual, que se apresenta sob impressão de expectativa favorável”. O laudo prossegue: “Não sendo imprescindível, para tanto, a permanência domiciliar fixa do paciente, salvaguardadas a oferta e administração do regime terapêutico”.
Uma terceira avaliação, produzida pelos profissionais do serviço médico da Câmara dos Deputados, apesar de também negar a “cardiopatia grave”, foi mais cautelosa: “Trata-se de indivíduo sob risco de desenvolver futuros eventos cardiovasculares e progressão da doença”. Os médicos da Câmara concederam afastamento por 90 dias a Genoino, pois “a atividade laboral poderia acarretar riscos de descontrole da pressão arterial que, em associação à anticoagulação inadequada, aumentaria o risco de eventos cardíacos e cerebrais”. Após a licença, Genoino deveria ser avaliado novamente, advertem os médicos.
A Câmara acabou por adiar a decisão sobre a aposentadoria por invalidez solicitada pelo petista. Barbosa tampouco havia se pronunciado sobre o pedido de prisão domiciliar do deputado até o fechamento desta edição. Miruna, filha de Genoino, divulgou nota em protesto contra a avaliação da junta convocada pelo presidente do Supremo.
“Finalmente Joaquim Barbosa tem o que queria, um laudo médico, feito com meu pai já alimentado corretamente e medicado, e ao lado da família, dizendo que não, ele não tem nada grave”, escreveu a jovem, antes de perguntar aos médicos sobre as condições da penitenciária da Papuda, em Brasília. “Com que autoridade os senhores sentem-se no direito de dizer que meu pai pode voltar para lá? Viram as condições oferecidas? Comeram a comida de lá? Foram ao banheiro de lá? Viram o ambulatório? Equipamentos de lá?”
Outra exceção veio à tona nos últimos dias. Relator do caso e responsável pelas prisões, Barbosa criou uma nova classe processual para a execução, uma norma não prevista no regimento interno do STF e instituída por resolução do presidente assinada em 14 de novembro, um dia antes da decretação da prisão de 12 dos condenados. O texto, denominado Execução Penal (EP) e divulgado no Diário da Justiça do dia 19, prevê que o processo seja distribuído ao relator da ação penal e tenha tramitação eletrônica. A norma definiu ainda os modelos das guias de recolhimento, de execução e tratamento médico.
A execução do processo de Genoino foi identificada com o número 1. Dirceu ganhou o número 2, e Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, o 3. Os demais condenados vieram em seguida. Barbosa teria atuado, por fim, para mudar o juiz titular da Vara de Execuções Penais, Ademar Silva de Vasconcelos, por criar “entraves” ao andamento do cumprimento das penas. Vasconcelos foi substituído por Bruno André da Silva Ribeiro, filho de um ex-deputado distrital pelo PSDB em Brasília, o que gerou nova polêmica, sobretudo pelo fato de a mãe do magistrado fazer campanha feroz contra o PT nas redes sociais.
A interferência foi criticada por juízes e advogados. "Na Constituição que tenho em casa não diz que o presidente do Supremo pode trocar um juiz, em qualquer momento, num canetaço", afirmou João Ricardo Costa, da Associação dos Magistrados do Brasil. "O povo não aceita mais o coronelismo no Judiciário", emendou Kenarik Boujikian, da Associação Juízes para a Democracia.
O presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Dácio Vieira, negou, porém, a troca. Segundo declarou em nota, a Vara de Execuções Penais não elegeu um único juiz para atuar no episódio, e sim uma equipe. “A delegação remetida pela presidência do STF, na referida ação penal, foi dirigida ao juízo da VEP-DF e não elegeu nem excluiu qualquer dos magistrados ali lotados para a prática de atos processuais, razão pela qual mais de um juiz já atuaram (sic) no feito, nos estritos limites da delegação e em absoluta observância ao ordenamento jurídico nacional e às rotinas da unidade judiciária”.
O clima generalizado de justiçamento alcançou Dirceu. Depois de anunciar ter sido contratado como gerente de um hotel da capital federal, voltou a ser achincalhado. Pelo posto, receberá 20 mil reais por mês. De propriedade de um político aliado do governo, o hotel recebeu centenas de mensagens de críticas e piadas, enquanto a mídia buscava sinais de favorecimento público ao novo empregador.
Nos bastidores do STF, comenta-se que Barbosa, beneficiado pela legislação eleitoral que dá aos juízes a prerrogativa de se licenciar apenas seis meses antes da eleição, deixará o tribunal em março para se lançar a algum cargo eletivo. Morreria um juiz, nasceria um salvador da pátria.
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