BAREBACKING, UMA PRÁTICA CONDENÁVEL
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BAREBACKING, UMA PRÁTICA CONDENÁVEL


Por que se arriscar?, eis a questão.

Já faz um tempinho, um leitor recomendou esta reportagem que saiu no Jornal do Brasil. É sobre barebacking, uma prática que está tomando conta de algumas (poucas) festas gays. Envolve organizar uma orgia para que os participantes transem sem camisinha. Às vezes, homens com o vírus do HIV são convidados, numa espécie de roleta russa. Eu nem sei o que falar sobre o assunto, fora que considero isso horroroso. O fim mesmo. Como alguém pode querer se infectar com uma doença que não tem cura - só pra se ver livre da camisinha? Queria esclarecer uma coisa: não considero orgia uma prática condenável. Faz quem quer. Tampouco considero homossexualidade uma prática condenável. Aliás, nem prática é. Homossexualidade é uma orientação sexual, só, assim como heterossexualidade e bissexualidade. Mas barebacking eu acho condenável. No entanto, vale lembrar que a AIDS não é uma “doença gay” (que os religiosos chamam de castigo de Deus) há tempo. Hoje em dia, apenas 21,7% dos portadores de HIV são homossexuais. Ou seja, a enorme maioria é hétero. Para elaborar sobre barebacking, pedi pra Adriana Calábria, especialista em doenças sexualmente transmissíveis, e que já nos brindou com um ótimo guest post sobre AIDS, a escrever sobre isso. Mais uma vez, ela fez um excelente trabalho. Confiram, e não deixem de visitar seus blogs, aqui e aqui.


Você contrairia um câncer (se isso fosse possível, claro) de livre e espontânea vontade? Certamente que não. E o vírus HIV? Se você responder não, saiba que nem todo mundo pensa como você.
Quem pratica barebacking não pensa assim. Pra quem não sabe, nem nunca ouviu falar nisso, eu explico: o bare (para os íntimos) é uma moda que começou nos Estados Unidos e não é tão nova (existe desde 2002). Ela teve início quando alguns gays americanos começaram a promover “festas de conversão” para disseminar o vírus HIV, e assim “ ficarem livres do uso do preservativo”. Em pouco tempo, a prática não ficou restrita a festas, passou a ser um comportamento, e o fetiche passou a ser justamente correr o risco. Em outras palavras: roleta russa em forma de sexo.
Como não podia deixar de ser, um dia a moda chegou em terras tupiniquins. Em janeiro foi publicada uma matéria falando dela. Na matéria, vários homossexuais falam que essa é uma maneira de se libertar da camisinha. “Promoveram” a AIDS a uma doença simples e tratável!
Antes de mais nada, vou logo esclarecer que essa prática está longe de ser unanimidade entre os gays. Hoje em dia, a comunidade gay é muito consciente dos riscos da AIDS e se previne bastante. Mas existem exceções. Portanto, não comecem a jogar pedras em todos, por causa de uns poucos. Mas sem dúvida, o barebacking é um retrocesso enorme. HIV é algo muito sério, e não tem cura. Está longe de ser uma doença simples. Tratável sim, mas simples, ela não é e talvez nunca vá ser!
Pra começo de conversa, não se pega HIV e se esquece que ele existe. A partir do momento da descoberta do vírus, começa um acompanhamento médico constante. O HIV destrói as células de defesa do organismo. É preciso realizar exames periódicos de contagem dessas células (CD4 e CD8) para controle. As idas ao médico começam a fazer parte da rotina. Pra quem imaginava se libertar, adeus liberdade!
Quando essas células baixam demais, começam as doenças oportunistas. A AIDS propriamente dita. A AIDS não é uma doença em si, ela é apenas uma porta de entrada de doenças. Ninguém morre de AIDS, morre das doenças causadas pela baixa da imunidade.
O coquetel, sem dúvida, é uma grande ajuda para os portadores de HIV. Mas está longe de ser uma solução. A quantidade de remédios é enorme (por isso o nome coquetel): em média se toma entre oito e dezesseis comprimidos por dia! Detalhe: rigorosamente no horário. Tem remédio que só pode ser tomado na hora da refeição. Outros, precisam ser tomados longe das refeições... Imaginem como é ter que organizar a rotina dessa maneira!
Os efeitos colaterais são um capitulo à parte: tonturas, cólicas, diarréias, inflamações no fígado... Apenas pra citar alguns deles. E ainda não acabou: Nem sempre se acha de cara a combinação certa, aí é preciso mudar. Ou então, o vírus se torna resistente, e é preciso passar para outra combinação. E no caso de parar de tomar o coquetel, aí sim que a coisa complica de vez, pois as mutações do vírus são constantes e ele adquire resistência. Pra voltar a tomar os remédios é preciso descobrir uma nova combinação e por aí vai... E aí, me digam se é fácil! Ufa! Eu cansei só de escrever!
Se alguém pensa que vai se ver livre da camisinha, pode esquecer! Portadores de HIV podem (e devem) ter vida sexual normal. Mas não podem, e nem devem, deixar a camisinha de lado, para evitar novas infecções pelo vírus. Não existe apenas um tipo de vírus, e a combinação de dois ou mais tipos acelera o desenvolvimento da doença.
Estagiei no Hospital Oswaldo Cruz em Recife, na oncologia pediátrica. Esse hospital é referência em doenças infecto contagiosas, entre elas a AIDS. De vez em quando eu era “emprestada” para o DIP, que é o serviço que atende pacientes com AIDS. Numa dessas vezes aconteceu um fato que ficou marcado na minha cabeça. Nunca vou esquecer do desespero de um turista francês que chegou ao hospital. Ele havia sido assaltado em Porto de Galinhas e o ladrão havia levado seus remédios, junto com a mochila. Ele voou para Recife, antes até de dar queixa na polícia. O medo de ficar sem os remédios era maior. Ele sabia dos riscos que corria caso parasse de tomar o coquetel de uma hora pra outra. Felizmente, tudo foi resolvido e ele recebeu os remédios.
No Brasil, o coquetel é de graça. O governo o distribui, mas o custo sai do meu e do seu bolso, e não é barato. Cada paciente pode custar até cinco mil reais por mês! Se a moda do barebacking pega, o rombo no nosso precário e doente SUS vai ser enorme.
Mas você pode estar aí pensando: “Eu tô fora disso, afinal não sou gay, nem ando por orgias onde se pratica roleta russa”. Sim, você pode não fazer nada disso, mas se transa sem camisinha, você também aderiu à moda, mesmo sem se dar conta. Barebacking não é apenas uma prática entre homossexuais. Os héteros que insistem em transar sem camisinha também estão praticando barebacking e se envolvendo em altos riscos. Achou ruim? Não ache. Mude. Se você não se previne, ou pratica os métodos alternativos que falei no outro post, está na hora de rever seus conceitos.
AIDS está bem mais perto do que a gente imagina. E o melhor remédio ainda é se manter longe dela, usando camisinha sempre.

Update em março de 2015: Seis anos depois deste post, agora se fala em criminalizar o barebacking. A entrevista deste antropólogo e sociólogo da Columbia é muito interessante. 




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