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Bolsa família e a queda da violência
Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:
Tachado de assistencialista e eleitoreiro, acusado de desestímulo ao trabalho, o Bolsa Família acaba de receber um inesperado reconhecimento.
Trabalho inédito realizado por pesquisadores da PUC do Rio de Janeiro para o Banco Mundial apontou que a expansão do programa pode ter sido responsável pela queda de cerca de 20% da criminalidade em São Paulo.
O levantamento foi objeto de reportagem de “O Globo”. Segundo afirma João Manoel Pinho de Mello, um dos pesquisadores ouvidos, onde houve maior expansão do Bolsa Família em 2008 (com a inclusão do atendimento a famílias com jovens de 16 a 17 anos), houve maior queda da criminalidade, considerando a prática de delitos variados como roubos, vandalismos, estupros, homicídios e tráfico de entorpecentes.
O estudo ingressa em uma área quase virgem.
Embora sejamos pródigos em indicadores financeiros, que já nos permitem tutelar o crescimento da economia ou da inflação quase que diariamente, dados da criminalidade ainda são exíguos, quando não pouco confiáveis, pelo teor eleitoral que imediatamente despertam.
Combinar emprego, educação, transferência de renda e prática de crimes é algo que até agora não se tinha analisado com profundidade.
Nossos gestores da segurança trabalham praticamente nas sombras, enquanto a sociedade é seguidamente levada a crer por ilusionistas competentes ou demagogos interesseiros, que mudar o Código Penal pode ser, de alguma forma, produtivo para reverter a criminalidade.
O holandês Louk Houlsman, nos anos 80, explicava um pouco esse atavismo, a partir de regras dos parlamentos europeus. Leis penais eram as únicas que podiam ser promulgadas sem que fosse necessário determinar de onde sairiam os gastos para sua execução. Com base nisso, foram utilizadas por muito tempo para postergar investimentos sociais.
Afinal, o que é mais cômodo como resposta para a evasão escolar de crianças? Estimular e dar condições materiais a seus pais ou simplesmente ameaçá-los de prisão pelo “abandono intelectual”?
Embora não a explique totalmente, a desigualdade tem influência decisiva na criminalidade.
O curioso é que aqueles que mais ardorosamente se embrenham na “luta contra o crime” nem querem ouvir falar em redução de desigualdades, provocando uma constante corrida do cachorro atrás do próprio rabo.
Pensar a solução da criminalidade só por intermédio de leis penais significa quase sempre usar o querosene para apagar um incêndio. Porque a carcerização em massa não só não provoca a diminuição dos crimes, como a médio prazo, os faz crescer. Já vimos a história quando da edição da Lei dos Crimes Hediondos.
Deveriam raciocinar com questões como essas, os juristas que estão se preparando para nos legar novas leis: não é possível escrever um novo Código Penal sem construir um novo Direito Penal.O maior defeito deste com o qual convivemos é o fato de que sua seletividade serve como uma luva para a criminalização da pobreza.
É importante ressaltar: não são os pobres que cometem mais crimes, são os olhos da lei que os fiscalizam mais e melhor e os punem mais rigorosamente.
A tutela excessiva do patrimônio, que vem sendo mais garantido do que a própria vida, aguça exageradamente essa desproporção e justifica o baixíssimo PIB da população prisional.
Assim, enquanto a comissão dos juristas resiste, por todos os seus meios, a considerar um furto, sem violência ou ameaça, crime de menor potencial ofensivo, e mantém íntegra a prisão dos microtraficantes, toda sorte de obstáculos jurídicos se opõem à punição dos verdadeiros empresários das contravenções.
Também na seara penal, enfim, os patrões se dão melhor.
Mas o que pode ajudar a afastar a juventude do crime são coisas mais prosaicas do que agravar as penas inscritas no livro dos delitos.
Quando aumenta a renda, diz o pesquisador Rodrigo Soares, o ganho relativo com ações ilegais diminui e a interação social dos jovens muda ao frequentarem a escola e conviverem mais com gente que estuda.
Em algum momento vamos perceber que inclusão é muito mais eficiente e mais barato do que a repressão.
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